sexta-feira, 22 de abril de 2011

A AUTOPSIA DE UMA RELAÇÃO

Estávamos em meados dos anos 90 quando mercê de vários factores decidi quase que repentinamente vir passar uma temporada a Portugal numa quinta que aluguei por uns meses chamada Protea, situada entre Loulé e Almancil afim de reordenar os meus pensamentos, reflectir calmamente sobre a vida e planear o meu futuro académico, pois tinha vários projectos pessoais bem como convites de certo modo aliciantes no campo profissional. Foi um retiro sabático, com a finalidade de ponderar não só opções, mas também a possibilidade de abrandar a forma alucinante em que vivia e a qual era indubitavelmente a da faixa mas rápida da auto-estrada da vida. Nesses anos, a minha vida estava focada e centrada em multiplicar os meus rendimentos financeiros no menor tempo possível, e adquirir o respeito e a admiração dos meus colegas de profissão pelo estatuto e sucesso que tinha conseguido obter na área da minha especialização profissional.
Recordo-me perfeitamente desses dias calmos e monótonos, particularmente dos fins de tarde de Inverno rigoroso, onde o frio o vento e a chuva fustigavam impiedosamente as vidraças embaciadas pela condensação devido ao calor da lareira. Nessa quinta de cerca de 10 mil metros quadrados, com piscina e campo de ténis, eu, lentamente comecei a repensar toda a minha existência passada bem como a traçar directrizes quanto ao futuro. Nessa época do ano os dias eram bastante curtos, escuros e sombrios e o sol raramente fazia a sua aparição, e, quando tentava romper envergonhadamente através do céu plúmbeo apenas o conseguia fazer por escassos minutos sem que isso chegasse para nos aquecer ou secar a roupa que passa dias no estendal. Os meus dias eram repartidos entre várias actividades: ler, ouvir música escrever ou dar longos passeios com Zeus um pastor alemão que já existia na quinta e com o qual fiz amizade, pela longa praia do Cavalo Preto entre Quarteira e a o vale do Lobo. Quando o dia se embrenhava na noite perto das 5 horas da tarde era altura de acender a lareira sentar-me à escrivaninha e seguindo as instruções emanadas do coração que posteriormente eram filtradas pelo meu cérebro frio e analítico escrevia sobre as minha reflexões diárias. O vento assobiava assustadoramente vergando até á submissão os ramos das árvores mais rebeldes, cujas copas quase depenadas continuavam a deixar cair as suas últimas folhas já amarelecidas desde o final do Outono ficando agora despundonoradamente
 nuas. A esparsa folhagem que tenazmente continuava a resistir desafiando a intempérie como que lhes dizendo que preferiam morrer de pé do que viver de joelhos em submissão, eram finalmente arrancadas violentamente dos braços estendidos de suas mães acabando por vir a jazer no empedrado que liga a casa ao portão principal da quinta. O chão ficava atapetado como se fossem carpetes mescladas e fofas que amorteciam os passos dos poucos visitantes que esporadicamente recebia nesse período do ano. A quebra da rotina e monotonia era apenas quebrada quando algum dos meus amigos por lá passava para um café, chá ou drink e dois dedos de conversa. Os troncos húmidos das arvores e as ramagens depenadas erguiam-se em direcção ao céu como que rezando e implorando pelo final rápido do Inverno, parecendo esqueletos famintos emboscados na penumbra diáfana do entardecer esperando que alguns pássaros se decidissem poisar nos seus ramos esquálidos para descansar uns breves momentos antes de regressarem aos seus ninhos.
Foi nessa plácida e bucólica quietude que eu sentia a inspiração repentina para escrevinhar e alinhavar linhas e linhas em folhas de papel brancas, virgens e singelas que se me ofereciam para que eu as profanasse e penetrasse com o aparo afiado da minha caneta Dunhill dourada. Furiosamente nelas rasguei sulcos profundos que certamente o tempo não apagará, pois ainda hoje anos quando as revejo, já um pouco amarelecidas, a intensidade das minhas emoções da altura nelas ficaram indelevelmente marcados. Foi nesse papel domesticado e cúmplice onde não só deixei inscritos e expressos os meus pensamentos e filosofias de vida mas também onde me atrevi a confidenciar os meus temores e dúvidas ou questionar as minhas atitudes comportamentais que implicaram decisões que alteraram o rumo da minha vida em diversas fases importantes da mesma, quer a nível pessoal e profissional. Essas folhas de papel religiosamente guardadas desde a altura em que foram escritas foram por mim protegidas de olhares indiscretos que eventualmente ao lê-las pudessem emitir julgamentos de valor descontextualizados das razões que me levaram a escrevê-las. Essas páginas de rascunho, soltas e bafientas, que estavam guardadas no fundo de uma gaveta húmida tudo calaram e consentiram guardando confidencialidade e segredo durante alguns anos. Finalmente, depois de as rever várias vezes decidi que as mesmas mereciam com algumas correcções ver finalmente a luz do dia e de serem transcritas para o computador. Talvez no futuro decida vir a partilha-las, uma vez que são o fruto de “momentos” que entendi registar no caso da minha memória me atraiçoar. Foram experiências de vida, cujo seu valor acrescentado contribuiu para que eu prosseguisse na minha rota, mais forte, e melhor preparado para enfrentar os futuros desafios com que a vida me confrontou. Durante este longo hiato cruzei a minha vida com inúmeras pessoas mas ninguém teve a capacidade de me dar conselhos, sugerir alternativas, propor opções, impressionar-me, seduzir-me ou deslumbrar-me quer com o seu intelecto, carisma, charme, erotismo, sensualidade libidinosa ou virtuosismo. Foi uma longa caminhada a solo, onde o meu senso comum e a experiência adquirida ao longo dos anos me ajudou a caminhar pela vida separando o trigo do joio, evitando armadilhas, marginalizando os falsos amigos, os profetas da desgraça e as oportunistas tipo abutre, que quando vêem carne fresca, solitária e financeiramente independente, se abatem sobre a presa para se saciarem devido à sua momentânea fragilidade se a oportunidade lhes for concedida. Procurei evitar lugares, situações ou pessoas que me fizessem sentir constrangido, que coarctassem as minhas iniciativas, ou tentassem abortar os projectos a que dava asas para voarem. Atingi nessa altura um nível e um estágio analítico e racional na minha vida que muito dificilmente concederia a alguém carta de alforria ou o privilégio de interpretar as minhas motivações, arbitrar diferendos ou de sugerir recomendações, desde que as mesmos não fossem de carácter profissional por mim procurados especificamente para determinados fins.
As folhas de papel que utilizei foram leais e a sua atitude colaboracionista de passividade dignos de registo, pois toda a minha actividade literária da altura foi protegida até aos dias de hoje pelo seu secretismo e confidencialidade.
A melancolia desses dias iguais a si próprios devido á estação invernosa que atravessávamos, era apenas quebrada pelo Tic-Tac cadenciado e monótono do meu relógio de parede que inexoravelmente avançava no tempo sem se preocupar com os dilemas pessoais e temporais que atravessei ou com os meus sonhos e objectivos que continuavam a alimentar a minha mente sedenta de os converter em realidades palpáveis. O tempo tudo cura menos a saudade, essa é uma doença incurável, que fica para sempre gravada na nossa mente como estrelas cintilantes cujo seu brilho e flashes ofuscantes nos relembram particularmente em estados depressivos momentos de inesquecível felicidade do passado.
Meses antes, numa curta viagem ao estrangeiro, conheci alguém que criou em mim um impacto tremendo como há muito não me recordava de ter sentido, e, isso levou-me a acreditar que um novo milagre regenerativo de sentimentos, desejos e emoções afectivas se começavam a operar dentro de mim, alargando o meu leque de opções  futuras. Pela primeira vez desde há algum tempo voltei a sentir uma tremenda atracção física por uma mulher, tendo prometido a mim próprio que iria levar esse desejo até ás últimas consequências. Penso que devido ao meu longo e solitário recolhimento as minhas defesas se encontravam num estado letárgico e adormecidas pela longa hibernação dos últimos meses. O impacto inesperado que senti dentro de mim, acordou-me de novo para a vida e uma vez mais comecei de novo a sentir a adrenalina a percorrer o meu corpo com uma velocidade vertiginosa, só ao admitir a possibilidade de poder voltar a viver num estado amoroso e de enamoramento me deixou numa excitação tremenda. Senti-me receptivo e com uma disponibilidade energética que transbordava e transpirava vitalidade, virilidade e sensualidade por todos os poros, tal como se fosse um adolescente o que de certo modo colocava a minha idade  cronológica com vários anos a menos em relação á minha idade mental. Esse beneficio traduziu-se em imensas vantagens pois aliando a maturidade e experiência á aparente juventude consegui maximizar os resultados das opções que subscrevi ao tempo. Existe uma época ou período das nossas vidas onde não temos que particularmente gostar daquilo que fazemos quer profissional ou sentimentalmente desde que sejamos principescamente pagos ou recompensados pelos fretes que fazemos. Durante a nossa juventude basicamente todas as escolhas e opções de como desejamos viver as nossas vidas nos são permitidas. Podemos entrar por atalhos escuros e perigosos, estradas secundárias pouco movimentadas e mal pavimentadas, avenidas iluminadas e seguras ou ainda viajar em auto-estradas onde usualmente viajamos a alta velocidade não estando interessados na paisagem, mas na brevidade com que pretendemos chegar ao nosso destino. Quando somos jovens, irreverentes e aventureiros podemos alienar tempo com experiências de vida mais ou menos interessantes, desde que com as mesmas possamos colher os dividendos necessários para adquirir a preparação que nos permita no futuro enfrentar e pegar a vida pelos cornos quando é caso disso. Eu sempre preferi viver a morte do que morrer em vida, não posso, não quero nem devo, estar nesta vida para ser carregado pelos amigos ou família por solidariedade, dever ou obrigação. Eu á longos anos que defini os meus objectivos e prioridades dentro de um enquadramento filosófico de vida que intransigentemente defendo como a minha carta programática que adoptei como princípios básicos e existenciais. Retomando o fio à meada no que respeita ao meu encontro feminino, pensei nessa altura ter encontrado alguém que vinha preencher o grande vazio que não dilacerando as minhas entranhas pelo menos lhes causava um vácuo difícil de preencher. De facto inicialmente essa pessoa teve a capacidade de limpar os resquícios e resíduos ainda existentes que poluíam o meu coração e mente, bem como afugentou e esconjurou os últimos fantasmas que teimavam em me causar alucinações e pesadelos durante sonhos regressivos a um passado recente, deixando o meu organismo limpo e aspirado mas sobretudo vacinado e imune para se poder vir a entregar total e completamente sem medos ou receios de profanações físicas ou mentais. Na grande maioria das mulheres que conheci na altura muito pouco havia nelas para além daquilo que se podia tocar, ver ou cheirar, contudo com essa nova “Miragem” que despontou no horizonte da minha vida, tudo passou a ter um sabor diferente. Desde esse momento, os meus ouvidos passaram a captar música celestial, o meu olfacto ficava em polvorosa a farejar as fragrâncias das suas feromonas quando ela andava por perto. De toda e qualquer parte do seu corpo recebia choques eléctricos de alta voltagem que serviam para inflamar a minha mente e libido. A sua sensualidade de mariposa nocturna causavam-me sensações voluptuosas, quentes e viscosas, que deixavam o meu pénis erecto e intumescido ao primeiro roçagar das nossas peles sensíveis. O seu corpo jovem emanava vibrações que me deixavam arrepiado e num estado de magia hipnótica que me enlouquecia e esticava todas as fibras dos meus músculos que mais pareciam cordas de guitarra ou de violinos emitindo sons lúbricos e licenciosos. O seu corpo viçoso emitia sons de prazer de todos os poros que simultaneamente exsudavam um odor inebriante que me entontecia e transportava para o espaço cósmico. O poder de sucção da sua boca gulosa aliada aos músculos treinados da sua vagina apertada que funcionava tipo torno ordenhava de uma forma subtil os leites dos meus testículos, levando-me a ficar exaurido quase até á inanição. Os seus olhos castanhos profundos e perscrutadores denotavam um cio incontrolável e apetite voraz e o seu corpo quando tocado fremia de um prazer sôfrego de quem está sequiosa por ser penetrada por um falo hábil e conhecedor dos locais onde o desejo pode ser acicatado e o prazer se torna infinito capaz de transportar qualquer homem para os braços de Nirvana. O seu encanto, carisma, sofisticação e charme pessoal provocavam em mim um fascínio que só terminava quando os nossos corpos se fundiam, e as nossas epidermes se retesavam como a pele de um tambor, quando atingíamos os píncaros da nossa excitação e sexual. Esta mulher imaginativa e multi-orgásmica, profundamente conhecedora da arte de amar, com um timing e clímax de cópula perfeitos, apenas deixando seus fluidos escorrerem em descargas sintonizadas com a ejaculação do seu parceiro. Sentia-se que o seu corpo vibrante, latejava e pulsava de desejo e paixão oferecendo-se como um manjar recheado de iguarias somente ao alcance dos deuses faraónicos á espera de ser apreciado e deglutido pelo mais experiente e exigente dos “gourmet”. Raramente no passado outro corpo exerceu sobre mim a atracção e o fascínio deslumbrante que este me provocou e a intensidade com que o desejava. Cada vez que entrava dentro das suas entranhas e a fazia gemer de prazer satisfazendo todos os seus apetites sexuais, o seu corpo vergava-se, submetendo-se ás minhas fantasias eróticas como recipiente dócil das minhas taras sexuais e predatórias. Detinha um poder tremendo de sedução, manipulação e de controlo sobre a sua mente e corpo, o que me permitia leva-la a percorrer vários estágios de excitação que a faziam sofrer as transmutações necessárias que a levavam a entregar--se-me incondicionalmente. Instilei na sua mente a luxúria, perversão, licenciosidade, deboche, devassidão, promiscuidade e a libertinagem, indispensável para que ela pudesse transpor e experimentar outras formas de sensualidade mais arrojadas, que certamente não eram aquelas a que ela estava habituada no passado. Essa mulher, foi por mim moldada a romper com o conservadorismo clássico do sexo rotineiro e chato, e, comigo começou a viajar para áreas de sensualidade e erotismo muito mais ousadas e pouco exploradas pelos casais de hoje. Eu mantenho que tudo na vida tem um preço, só que a grande maioria das pessoas, não está disposta a pagar esse preço por várias razões, o que leva a que os casais unilateralmente procurem satisfazer essas fantasias fora do casamento, o que em muitos casos acaba por os levar ao divórcio. Isto, essencialmente define o egoísmo de todos aqueles que apenas tem o dom de saber amar e dos outros que apenas tem a capacidade de só saberem deixar-se amar. O nosso relacionamento ainda sobreviveu algum tempo, mas a distância geográfica acabou por arrefecer o estado emocional em que vivemos durante a minha estadia no seu país levando-nos á ruptura definitiva.


Vilamoura 5-2-2002







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