quinta-feira, 21 de abril de 2011

REFLEXÕES NOCTURNAS




                                                
                                                   
                                                  

Há dias no cumprimento de um dever cívico, bíblico e pombalino que é o de “cuidar dos vivos e enterrar os mortos”, assisti e escutei com desusado interesse ao sermão do padre católico, durante a missa de corpo presente do pai de um amigo meu.O sermão versou sobre duas vertentes filosóficas que sendo controversas são bem actuais, e as quais na minha modesta opinião merecem por mim ser debatidas mesmo que se trate de um padre durante um Requiem em presença de um corpo inerte e frio, porquanto a chamada alma já o tinha deixado á algum tempo seguindo um destino que os mortais desconhecem.

A sua alocução litúrgica, contundente mas profundamente analítica e realista apenas veio confirmar aquilo que eu há muito tempo advogo, que é a existência de duas espécies de seres humanos, a saber: vencidos e vencedores. Na primeira categoria e parafraseando o padre, dizia ele: - Existe uma grande maioria de pessoas que nunca vivem as suas vidas, apenas se limitam a passar ao lado dela, são os avaros os gananciosos, os incultos que vivem a vida aos solavancos, como um carro ao qual vai faltar a gasolina, sem objectivos definidos, princípios ou convicções, queixando-se de tudo e de todos e julgando-se perseguidos pelo fatalismo ou azar.
As pessoas que não têm fé, esperança nem acreditam nas suas capacidades, estão destinadas ao insucesso e fracasso, só lhes resta vegetar, bajular ou rastejar, tentado a todos agrada, sem nunca terem a coragem de dizer não ou defenderem os seus pontos de vista. Negam que o preto é preto se o padre, patrão, família, professor, presidente da junta, médico ou político local disserem que é branco, pois não têm opinião própria e alinham ao lado da conveniência se dela puderem beneficiar. Vergam a espinha até ao chão, sabujam todos aqueles que lhes possam providenciar benesses e vendem a alma ao diabo por qualquer preço. São pessoas em princípio demasiado agarradas ao mundo matéria que dificilmente encaram a morte como uma inevitabilidade da vida e entram em pânico só ao pensar que esta lhes pode rondar a porta. Vão á Fátima a pé ou de rastos fazer promessas, ou então á bruxa onde entregam os fios de ouro, para que esta lhe apazigúe a mente e afaste os espíritos maus.
São seres humanos mesquinhos por natureza e de todo incapazes de um gesto altruísta ou de solidariedade para com terceiros, pois são egoístas por índole e se dão com uma mão estão sempre á espera de poder tirar com a outra de forma a ficarem com saldo positivo.
São usualmente pessoas que vivem para elas próprias fechadas num mundo autista, onde apenas ouvem o eco das suas próprias palavras ou pensamentos, desconfiam de tudo e de todos e até da própria sombra. Se estiverem a jantar e tiverem visitas, escondem a comida nas gavetas para que não a tenham de partilhar, se vão á missa e fingem meter a mão no saco das esmolas para dar qualquer contribuição á igreja mas em vez de deixarem dinheiro, tiram disfarçadamente o que podem, quando pedem emprestado nunca devolvem, e quando têm de pagar esquecem-se do dinheiro ou esperam que alguém tome a iniciativa de o fazer. Na segunda categoria temos a grande minoria que são a dos cultos, letrados com mentalidades universalistas e liberais, têm uma mente aberta e receptiva a ler e interpretar os fenómenos das sociedades modernas, das mentes rústicas e urbanas no aspecto sociológico, geográfico e cultural. São pessoas que têm uma opinião acerca de tudo aquilo que os rodeia pois vive informados daquilo que se passa no mundo. Procuram ter e manter vidas interessantes diversificadas, coloridas e de qualidade, correm riscos, assumem responsabilidades e as suas consequências. Fazem as leis que os segundos se limitam a cumprir sem retorquir ou contestar, nas suas pequenas e desinteressantes vidas rotineiras e cinzentas Esta segunda linhagem estirpe de indivíduos, determinados, consistentes, polémicos, argumentativos, disciplinados, metódicos, organizados, com objectivos claros e precisos, que sabem o que querem e para onde vão, planeiam, conduzem, gerem e lideram, não só o seu próprio destino, como as vidas e destinos de muitos dos outros que se enquadram na primeira categoria.
São pessoas que estão ao volante das suas próprias vidas, sabem qual o destino para onde querem ir e nem precisam de pedir indicações para lá chegarem e muito menos gostam de ser conduzidos por terceiros. São pessoas que não permitem que as suas vidas possam de alguma maneira ser alteradas, manipuladas, influenciadas ou corrompidas pois a sua integridade não tem preço.
São geralmente ateus, agnósticos, xenófobos, e profilácticos, não praticam a miscigenação, são educados, instruídos, cultos, inteligentes, assertivos, corporativistas, pertencendo á classe media e alta to estrato social onde se encontram inseridos. Esta casta social de indivíduos gozam a vida intensamente e em toda a sua plenitude, são geralmente muito bem pagos nas profissões que desempenham, são conhecidos pelos nomes e respeitados pelos seus pares.
Satisfazem os seus prazeres ou vícios por muito dispendiosos que sejam não se preocupando muito com o dia de amanhã. São caprichosos, ambiciosos e sonhadores, não adiam, cancelam ou protelam os seus projectos de vida por causa de falta de tempo, dinheiro ou imaginação, pois não dependem de ninguém para os concretizar quando sentem ser o momento oportuno.
Usualmente são pessoas que aceitam a morte com disciplina, sem pânicos ou medos, não vão pedir a extrema-unção ou os últimos sacramentos á última hora, morrem de pé sem vergar os joelhos da mesma que viveram as suas vidas, sem cobardemente renunciarem ás suas crenças.
Sem qualquer tipo de pretensiosismo penso que me incluo nesta categoria, preparei-me para as as vicissitudes da vida, assim como, me tenho vindo a preparar para a morte, desde que tive consciência de que ela a todos bate á porta num certo dia de uma ano qualquer.
A morte é apenas e só a última etapa de uma passagem mais ou menos longa por uma selva, onde apenas o mais forte, o mais bem treinado e armado, o mais rico e o mais poderoso, terão uma percentagem mais elevada de condições de sobrevivência, minimizando o risco e a dor, durante o percurso que fazem pela vida. Nestas circunstâncias existe inevitavelmente uma maior probalidade de se prolongar a longevidade, tentando negociar com a morte e enganando-a algumas vezes, pois o dinheiro, a maçonaria, as cunhas, os favores e o poder compram ou adiam a hora do juízo final.
Felizmente que a morte não poupa nem reis ou súbditos, governantes ou governados, não se preocupa com as opções religiosas ou pagãs de cada um, ou com a sua etnia todos deixam este mundo globalizado quando o grande ceifeiro lhes bate á porta.
A vida que começa a ser gerada no útero das mulheres depois dos óvulos fecundados que dão origem á nascença de um embrião pode ter três destinos: o aborto, os nados mortos e os partos normais que nos permitem sobreviver.
Eu não me submeto a nada nem a ninguém, não venero nem idolatro o que desconheço, apenas acredito naquilo que vejo, cheiro, sinto ou toco ou que a ciência possa provar que existe.
Existiram e existem pessoas cuja sua contribuição para a humanidade em várias áreas justificava a sua existência eterna pois com as suas descobertas salvaram milhões de vidas em todo o mundo ou contribuíram para o seu bem-estar.
Não me quero alongar em divagações filosóficas quer sobre a vida ou morte, mas pelo menos tentar passar a mensagem de que em vida devemos procurar ser justos, solidários, ter equidade e não dois pesos e duas medidas, quando se trata de aferir situações quer em relação a estranhos ou á própria família. A decisão ou veredicto deverá ser sempre o mesmo perante o delito em causa, independentemente de quem tem que ser punido ou admoestado.
Quando somos confrontados com o terminus de uma relação, o travo amargo dessa decisão seja ela unilateral ou bilateral, deixa-nos sempre envolvidos numa torrente mista de sentimentos os quais nos penalizam fortemente podendo atormentar-nos durante longos períodos de tempo.
As separações não são normalmente fruto de decisões impensadas nem o resultado de desentendimentos ocasionais, mas sim em consequência de um amadurecimento e ponderação feita a longo prazo que leva um ou ambos os parceiros ao diagnóstico da inevitabilidade de cada um a partir dessa altura percorram caminhos opostos.
Quando a frieza, indiferença, afastamento e falta de comunicação e politica de terra queimada se instalam, é preciso de ter a coragem de admitir esse facto e tomar as medidas apropriadas afim de que o relacionamento se torne insuportável, e que não se degrade mais ao ponto de apodrecer e cair de maduro. Durante o decurso de uma relação sentimental todos corremos o risco de cair na rotina do quotidiano, os afectos e as manifestações amorosas quase passam a tornar-se uma obrigatoriedade, perdendo o brilho e o seu esplendor inicial da atracção física e do desejo carnal. Só na literatura dos clássicos como Romeu e Julieta, Tristão e Isolda se assiste á celebração do amor eterno levado ás últimas consequências. Na nossa mediocridade de seres humanos, falíveis, vulneráveis, frágeis e mortais é fácil deixarmos que o vírus da insatisfação, insegurança emocional, falta de auto estima, solicitações extra conjugais, stress, cansaço físico e mental se instale cresça e se multiplique tornando-se num monstro gigantesco pronto para nos devorar. Quando o antigo dialogo entre o casal se torna num monologo e cada um começa a crescer para seu lado falando linguagens diferentes, procurando apenas satisfazer as suas ambições pessoais criando dois mundos dentro daquele que anteriormente partilhavam é sinal que o principio do fim se aproxima a passos largos.
As realidades poderosas do dia a dia, o desgaste e a erosão continua a que a vida nos submete, coloca demasiada pressão nas relações entre as pessoas e nos valores que ambos defendem, o que por vezes os obriga a defenderem bandeiras diferentes em campos de batalha opostos.
Não sendo a vida um mar de rosas, um conto das mil e uma noites, nem feito de Afrodites ou Adónis, mas sim uma realidade nua e crua, somente os psiquicamente mais fortes conseguem ir sobrevivendo aos testes que os relacionamentos nos vão colocando, sendo para isso necessário que as fundações e estruturas que escoram os alicerces não soçobrem facilmente aos efeitos dos abalos sísmicos os quais ciclicamente dependendo do grau de Ritcher nos fazem sentir que existem. Metaforicamente falando é como caminhar sobre um terreno minado sem saber a localização das minas e com o receio que alguma mina rebente sobre os nossos pés, preferimos o imobilismo defensivo onde ninguém se sente encorajado a dar o primeiro passo, o que impede que o casal continue a progredir na vida ficando parados no tempo e no espaço. O grande sábio Francês Lavoisier expressou a sua teoria da seguinte forma: “Na natureza nada se perde e nada se cria tudo se transforma”, a qual eu transpondo-a para os relacionamentos a interpreto da seguinte forma. Os casais individualmente não perdem os seus valores nem as suas crenças, podem também não criar filhos ou património em conjunto, por isso de usam as uniões com separação de bens, e finalmente aprendemos, maturamos e sofremos alterações de personalidade e carácter que só as revelamos perante certas contrariedades, desapontamentos e frustrações que alteram as nossas formas comportamentais. Tanto as leis da física como a dos relacionamentos entre homens e mulheres permanecem imutáveis, muito embora por vezes tentemos várias combinações na expectativa de obtermos resultados diferentes. Os amores ou paixões iniciais que atraem as pessoas e as magnetizam acabam por perder essa capacidade de as manter coladas as quais vão arrefecendo nas brumas geladas dos nossos corações, causticados pela discórdia acabando por mergulhar num luto pesado o aprisiona em mágoa, desespero e sofrimento permanente. É obvio que isto contribui para o tornar os corações lentamente fique insensível ficando anestesiados e entorpecidos perdendo a capacidade de sentir ou reagir. Quando começamos a perder a capacidade do arrebatamento, o desejo sexual abranda ou se perde, é mau sinal Quando as manifestações de carinho e afectos começam a não se manifestar naturalmente, mas apenas quando no pedem para o fazermos e deixamos transparecer ou transmitir a dispensabilidade do parceiro e de nos fazerem sentir que são queridos e desejados, algo está definitivamente errado.
O começo de qualquer relacionamento deveria ficar gravado, para que as pessoas em momentos de crise pudessem rebobinar o filme e voltarem a ver como eram as suas manifestações amorosas, comparando-as com aquelas que estão a viver na altura e perante essas imagens perguntassem a si próprias qual a razão da mudança.
No início, o amor ou a paixão são normalmente vividos com grande intensidade, deslumbramento ficando as pessoas imbuídas num estado de graça onde se sentem invencíveis, omnipotentes e omnipresentes levando-as a pensar na sua imortalidade, como forma de sublimarem intemporalmente a consagração desse amor nos altares do êxtase e clímax orgasmico do prazer, volúpia e luxúria sexual.
Como é óbvio não existem regras sem excepção e existem ligações amorosas que perduram no tempo até que a morte os separe. São autênticas maratonas de respeito, amor, carinho e amizade recíproca ás quais tiro o meu chapéu com admiração, pela humildade, perseverança, capacidade de dialogo, de se perdoarem mutuamente sem recriminações ou rancores ao longo da vida, aceitando as diferenças que eventualmente os possam separar sem nunca se preocuparem em manter uma contabilidade de deve ou haver, pois nestes casos o saldo é sempre positivo e aumenta de ano para ano.
Existem neste mundo coleccionadores para todos os gostos desde automóveis, moedas, selos, borboletas, sacos de açúcar emblemas a outros que coleccionam coisas mais bizarras e extravagantes, como cuecas, vibradores filmes ou revistas pornográficas, bem reveladores das suas mentes psiquicamente distorcidas.
Eu sempre fui mais modesto nas minhas manias coleccionando relacionamentos humanos, que me trouxeram desgostos e desilusões, mas aos quais consegui sobreviver sem grandes mazelas ou maleitas sem contudo perder o norte e nunca enjeitando a oportunidade de voltar a ser feliz mesmo que isso me tivesse obrigado a recomeçar do zero várias vezes.
Quando hoje em dia faço uma retrospectiva da minha vida chego a pensar muito seriamente que apenas ao nível profissional me realizei totalmente e a espaços pontuais na minha vida privada.
Coleccionei muitos amores e paixões as quais vivi com intensidade e devoção mas nunca em exclusividade total, pois ia sempre deixando portas abertas para devaneios inconsequentes de ocasião que me trouxeram alguns amargos de boca, pois nem sempre os consegui manter na clandestinidade.
Tal como o mote Olímpico que diz que a maior gloria é a de participar e competir e não propriamente a de vencer, se bem que esta seja a cereja em cima do bolo, também nas relações amorosas se passa literalmente o mesmo. Quando estas terminam não é imperativo que exista um vencedor, nem o sentimento doloroso de nos termos sentido vencidos, pois em muitas ocasiões ambos os competidores saem perdedores o que é bem pior As corridas jurídicas podem dar a vitória quer a um quer a outro, só que a medalha tem sempre um sabor a derrota, uma vez que a corrida que ambos iniciaram em conjunto acabou por abortar a meio caminho.
Nos períodos após divórcio muitas pessoas chegam a conclusões difíceis de deglutir, que são as de que durante longo tempo estiveram a dormir com o inimigo, ou que não nos mereceram como companheiros desvalorizando os nossos atributos como seres humanos ou em qualquer outra capacidade com que vivamos juntos.
Penso que quando as pessoas começam a ter a consciência que a sua viagem em conjunto terminou e o comboio chegou ao fim da linha, já não vale a pena comprar viagem de regresso, pois a relação deixou de ter pernas para andar, e isso já não permite avanços ou recuos uma vez ambos já sofrem de amputações aos meios de locomoção. O júbilo e a exaltação que em tempos jorravam desses corações cessaram por falta de nutrientes ou de lenha que alimentasse o fogo na fornalha do amor mas que acaba por agonizar ficando reduzido a cinzas, prova insofismável de que tudo na vida tem um fim. Quando o espaço em casa se torna pequeno e as pessoas se escondem uma da outra para não andarem aos encontrões, afivelam as máscaras da hipocrisia, porque não tem a coragem de acabar com o embuste, passam a utilizar o lar como quartos de hotel, pois quanto menos estiverem dentro dele tanto melhor. Os corpos emitem sinais óbvios que são fáceis de interpretar, os olhos ficam baços e perdem o brilho habitual e o fulgor com que anteriormente se cobiçavam. A paixão incandescente e escaldante que magnetizava os corpos perdem o desejo carnal de se devorarem e penetrarem, tal como um encantamento que foi quebrado por qualquer bruxa malvada, que usando uma poção mágica fez que com que dois corpos que antigamente se atraíam se passassem a repelir. As epidermes quentes que anteriormente se arrepiavam com um simples roçagar dos corpos se eriçavam em lascívia, passam a ficar frígidas e indiferentes, os clímaxes e orgasmos perdem-se pela falta da libido ou das erecções. Os corpos passam a evitar o contacto físico e quando o fazem tudo soa a oco e falso, pois o aviltamento dos nossos corpos contra a vontade do cérebro leva á rejeição dos mesmos.
Tudo isto são pregos no caixão e um epitáfio na pedra tumular de qualquer união que tem os dias contados. E onde apenas sobressaem dois nomes e duas datas a do casamento e a do divórcio.

31-12-1996

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