terça-feira, 30 de setembro de 2014

A JOIA

A minha argúcia tal como a de um investigador criminal, foi-me possibilitando desvendar novos ângulos de uma teia que o mundo urdiu e teceu, para que eu tentasse decifrar certos enigmas da vida, com a paciência de um Oriental. Felizmente que nem todos somos seres abúlicos, que nos resignamos ao fatalismo histórico da mentalidade portuguesa. Com o tempo, fui chegando a algumas conclusões surpreendentes sobre os meus gostos e cores, os quais provocavam na minha mente reacções diferentes. O vermelho é para mim a cor da paixão, o preto a do erotismo, o branco o da fantasia, isto se falarmos de lingerie, agora se falarmos de unhas, vernizes, batons, lábios, mãos, pés, peitos, rabos, cabelos, roupas, cabedais, sapatos, botas e adornos a simbologia ou a conotação que lhes possa dar, poderá eventualmente ser diferente na minha visão erótica ou sensual da mulher que se calça, pinta ou veste desta ou daquela maneira. Hoje, através da escrita metafórica, vou contar uma história, que penso ter sido uma das mais importantes da minha vida, uma vez que teve o condão de me transportar de um mundo de sonhos cor-de-rosa, para a realidade a vida nua e crua. Este vai ser mais um exercício de memória que espero poder reproduzir com o máximo de fidelidade possível, se o meu cérebro não me atraiçoar. Foi uma transição que requereu da minha parte uma aprendizagem de aluno aplicado e diligente, afim de poder passar com distinção nos testes periódicos a que fui submetido pela própria essência da vida. Mas vamos à história que certamente vos deliciará, pois a sua interveniente contribuiu em grande parte, para a minha formação e entendimento de como se dão e recebem, certos prazeres e dádivas na vida. Este foi o meu prefácio de introdução à história que seguirá dentro de poucos parágrafos. Havia esta pedra brilhante, enterrada nas areias escaldantes do deserto do Kalahari na Namíbia, e durante anos essa pedra foi levada pelas correntes de água e lama na época das chuvas torrenciais, que aconteciam periodicamente nos meses de Novembro e Dezembro. De quando em vez, mercê da orografia do terreno, ela lá ia conseguindo brilhar a lapsos de tempo, mesmo sem o consentimento da mãe natureza. Muito embora se encontrasse numa área remota, muitas pessoas passaram por esta simples mas sofisticada pedra, sem sequer se aperceberem da sua existência. Algumas vezes talvez por curiosidade ou imaturidade esta pedra foi levada, ostracisada e negligenciada acabando sempre pouco tempo depois por voltar ao lugar onde sempre estivera. De tempos a tempos foi-lhe dado a oportunidade de brilhar com todo o seu esplendor e fulgor, tendo apenas como admiradores as estrelas do céu, que envergonhadas e ofuscadas pelo seu brilho incandescente se recolhiam invejosas para irem brilhar sem competição para outros sistemas solares. Esses foram alguns raros e inesquecíveis momentos de felicidade pelos quais esta pedra passou, mas que de igual modo se aplicam aos nossos momentos de felicidade e alegria que intermitentemente passam pelas nossas vidas. De quando em vez, os ventos quentes do nordeste sopravam do rio Orange, e, tão depressa a desnudavam da areia que a escondia, como de novo a cobriam com o seu manto quente de grãos de areia como se a pretendessem agasalhar e proteger das temperaturas negativas da noite. Durante todos estes imemoriais tempos, sempre esta pedra teve a esperança de vir a ser encontrada por um verdadeiro mágico, por um verdadeiro lapidador de gemas raras que ao descobrir e tocar numa delas, tivesse de imediato a certeza de que com a sua imaginação, sensibilidade e arte a poderia transformar numa jóia de beleza rara e inigualável, bastando para isso que a dotasse do maior número de carates possível nos seus cortes milimétricos previamente estudados. Esta pretensão natural de poder vir a refulgir aos olhos do mundo como uma peça das mais valiosas da colecção do seu Pigmaleão, quando ele sentisse que era o momento apropriado de a desnudar para os olhos cobiçosos e bocas babadas de alguns coleccionadores privados que preferem manter o anonimato e guarda-las com receio que as suas mulheres as queiram usar. Nesta altura deixo a pele de narrador para vestir a do verdadeiro Mágico. –“Um dia quando viajava pela Namíbia no Gemsbok Park na zona desértica do Kalahari no final dos anos 70, e durante um curto período de férias, as minhas sandálias embateram numa pedra muito brilhante semi-enterrada sob alguns cristais de areia, que possivelmente teria sido desviada do seu curso normal que seria o Rio Orange durante a época das enchentes e enxurradas e cujo destino seria Orangemund a zona da foz do Rio Orange com as aguas salgadas do Atlântico Sul, onde se encontra a concessão diamantífera da “Diamang”, para quem eu trabalhava na prospecção, escolha e classificação de diamantes. Para além de ser um Geólogo competente, também era um lapidador experiente, técnica que tinha herdado de meu pai Cohen, judeu Ortodoxo, nascido na Polónia e residente na África do Sul. Com a minha experiência diamantífera, de imediato me apercebi de que estava na presença de uma pedra que com os seus raios luminosos ofuscava e cegava os meus olhos com cores variegadas que me lembravam o Arco Ires. De imediato concluí, de que esta pedra depois de cortada, trabalhada e polida se iria transformar num diamante que seria desejado e cobiçado tanto por homens como por mulheres do mundo inteiro, os homens para o tocarem e sentirem todas as suas arestas multifacetadas, e as mulheres para o usarem junto ao corpo e sentirem na sua epiderme as suas radiações sensuais. Para quem não saiba muito sobre diamantes, estes podem ser cortados em 6 diferentes formas: esmeralda, rosa, oval, pêra, marquesa e coração. Esta pedra preciosa nunca poderia competir com o Kohinoor, o Regent ou Pitt, o Orlov, o Sancy o Espelho de Portugal, o Grão Mogol, o Xá, o Akbar, o Hope, o Florentino o Nizam ou o Pigot, mas estaria definitivamente numa segunda linha de pureza, e tamanho depois de qualquer destes. Deixemos a parte técnica da lapidação e da nomenclatura dos maiores diamantes do mundo e voltemos à nossa história. Uma vez em presença um do outro, eu ouvi esta voz feminina que me interpelou com as seguintes palavras……És tu o Mágico que eu venho esperando há séculos? Passados uns minutos respondi-lhe sem titubear: …. Não, não sou, mas tenho os conhecimentos, a arte, a sensibilidade o coração e os instrumentos para mudar radicalmente o curso da tua vida. …Não tens nada a perder em me experimentar e, em pouco tempo constatarás de que falo verdade. -…...Muito bem….leva-me contigo e eu verei que tipo de Pigmaleão tu és! ……Muito lentamente, curvei-me e com as minhas mãos ossudas de dedos finos e pele macia, peguei nela e murmurei docemente: -…. Eu tenho uma “varinha mágica” e com o poder que detenho, vou transformar-te num dos diamantes mais desejados do mundo e que muito dificilmente alguém terá dinheiro suficiente para te adquirir. Penso que nunca te porei no mercado para venda, pois a obra de arte em que te tornarás não estará ao alcance financeiro de nenhum antiquário ou negociante diamantífero de Amesterdão, Joanesburgo, Telavive, ou Nova York e muito menos ao alcance de algum velho senil e depravado, de um coleccionar privado que te mantenha fechado dentro de um cofre bancário onde não possas brilhar ou respira, ou ainda a algum bimbo multimilionário Texano que o ofereça a uma das suas amantes. Para ti tenho planos diferentes, tenciono manter-te exclusivamente e para sempre na minha posse, mas exibir-te-ei em festas privadas, galas, beneficências, concertos e premiéres pelas cosmopolitas capitais do mundo onde somente pessoas por convite especial de refinado gosto, mecenas e conhecedoras, possam, ver-te e admirar-te sem contudo terem a mais remota possibilidade de te tocar. Tornar-te-ei numa jóia sensual, excitável; tenta imaginar e fantasiar de como te sentirás nas mãos deste artesão quando eu te começar a trabalhar nas tuas formas, a cortar, a arredondar, a polir e afagar os teus ângulos e arestas até atingires a configuração final que tenho em mente para ti. Cada vez que te deito na minha bancada coberta de veludo para te admirar e dar-te os retoques finais é como se a minha mente tomasse freio nos dentes e largasse à desfilada em direcção ao paraíso. Quando os meus dedos e mãos tocam a luminosidade dos teus carates sinto como um raio tivesse atravessado o meu corpo deixando-me petrificado. Todas estas sensações únicas ao nível transcendental apenas fazem sentido quando a entrega para além da parte física é complementada com a mente, coração e alma num entrelaçar de paixão, prazer, desejo, luxúria e lascívia orgíaca. E, se esta preciosa gema, tiver uma abertura participativa nos seus carates para consentir que eu nela molde e exprima toda a minha criatividade artística e sensual, talvez eu no futuro considere e contemple a possibilidade de ela se tornar minha exclusiva propriedade. Vou tentar abrir nela portas que lhe dêem acesso a novos mundos, onde sentimentos de inveja, ciúme, promiscuidade, deboche esperarão por ela pacientemente em cada esquina, em territórios sem fronteiras, em mundos anárquicos das mil e uma noites com promessas de êxtase eterno e vidas faustosas, mas mesmo assim penso que estou preparado para correr o risco”. A propósito, até há data de hoje, estas foram as suas últimas palavras que proferi desde o dia em que a encontrei. Vilamoura 2001

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