terça-feira, 30 de setembro de 2014

SAUDOSISMO-1

Não tenho por hábito relembrar com muita saudade quer os lugares onde vivi ou as mulheres que amei, pois isso implica alterações aos estados de alma que nos conduzem á melancolia. Sempre tive a capacidade de conseguir libertar a mente e desocupar o meu coração dos sentimentos nostálgicos ou de saudades que exaltam ideias delirantes de auto acusação ou comiseração. Sou demasiado resistente e auto contido para deixar o conforto do meu pedestal deixando-me envolver em melodramas do passado. O que foi feito, visto e rejeitado ficou morto e enterrado e não precisa de ser exumado. Também nunca ninguém teve a capacidade de me deixar saudades após ter partido e dizer-me: “jamais voltarei”. Confesso que também não sinto muitas saudades da minha antiga idiossincrasia que quase só na última década aperfeiçoei. Não voltaria um único dia na minha vida a recordar os eventos do passado, e lembranças boas é o que não me faltam. Não voltaria à infância mesmo quanto no dia em que ganhei minha primeira bicicleta sem rodinhas auxiliares, aos 6 anos de idade, e saí disparado pedalando sem ajuda, e sem quedas ou dentes partidos no currículo. Não voltaria à adolescência, quando fiz minhas primeiras viagens sozinho com colegas de escola, e da minha iniciação sexual com uma prostituta. Nessa excursão escolar aprendi um pouquinho mais sobre quem eu era e sobre quem eu não era. Não voltaria ao dia em que os meus filhos nasceram, que foram os dias mais felizes da minha vida, de uma felicidade inédita porque dali por diante haveria alguma mutilação na liberdade que eu tanto prezava - mas, por outro lado, experimentei e vivi intensos amores e paixões. Não voltaria ao dia de ontem - e ontem eu era mais jovem do que hoje, ontem eu era mais romântico do que hoje, ontem eu nem tinha pensado em escrever este texto, o dia de ontem sinto-o como se tivessem passado mil anos. Não tenho saudades de mim com menos ou nenhum pneu na barriguinha, não tenho saudades de mim mais sonhador e ambicioso. Não tenho saudade de mim quando me considerava, omnisciente, omnipresente e egoisticamente o centro do mundo. Não voltaria no tempo para consertar meus erros, não voltaria para a candura e inocência que eu tinha. Por isso não tenho saudades da ingenuidade que perdi? Não tenho saudades de nada nem de ninguém. Tudo o que eu fui prossegue em mim, pois hoje para o bem ou para o mal, eu sou o resultado do meu passado. Treinei e eduquei a mente e o coração a limparem os seus espaços de todas as recordações que pudessem influenciar positiva ou negativamente o meu presente quer de pessoas, coisas ou lugares que eventualmente se pudessem transformar em fantasmas que tivesse que carregar pela vida fora. Não transporto o meu passado para o presente pois isso impedir-me-ia de viver tranquilamente coartando as minhas opções, quer pelas lembranças de felicidade temporais quer pelos desgostos ocasionais lá existentes. Mas teimosamente os anos do passado tendem a continua desfilar na passarela do presente neste baile que tem sido a vida onde almas se encontraram, esbarraram, uniram e separaram Em função disso decidi pintar de branco a mente e o coração e ver-me livre de tudo que me pudesse relembrar o passado ou o desejo de o revisitar. Não sou saudosista nem renego o meu historial, do qual me orgulho da grande maioria das coisas que fiz. Eu levo uma vida de verdade pois apenas faço o que gosto sem hipotecar os meus princípios, ou ter a necessidade de me emascular para agradar a terceiros ou carregar com os seus problemas. Tenho as minhas fronteiras morais, sociais, financeiras e culturais bem delimitadas de acordo com um critério muito pessoal e selectivo Não tenho contas a ajustar ou saldar com o meu passado, nem contenciosos pendentes que precisem de ser reconciliados, portanto estou numa situação invejável quer para continuar a viver ou morrer sem preocupações. A nostalgia começa, naturalmente, assim que as décadas terminam, e se manifesta em atitudes como guardar e coleccionar objectos antigos, ou apenas se interessar por discussões e leituras sobre temas que definiram gerações como por exemplo musicas, cantores, artistas desportistas, acontecimentos históricos etc. Esse fenômeno ocorre porque, diante do mundo adulto, quando os amigos de outrora se encontram para celebrações ou tertúlias, é comum recordar a infância como forma de escapismo. Além das lembranças individuais, ou colectivas há também a dos produtos culturais da época, criando uma identidade nostálgica entre pessoas de mesma idade. Segundo os teóricos da área da psicossomática o termo "Nostalgia" significa sentir falta de uma acção que poderia ter sido realizada e que por um motivo qualquer não se concretizou. Se a nossa memória particularmente guardou uma situação ocorrida numa determinada época da qual resultaram acontecimentos que por uma razão ou outra nos marcaram, a mesma agudiza-se positiva ou negativamente na eventualidade de termos provas materiais desses eventos, como sejam fotos ou filmes domésticos, textos, cartas de amor, que nos levam a regredir no tempo e no espaço relembrando velhos tempos, amigos ou paixões, o primeiro beijo, a primeira interacção sexual, dos amores que curti e dos que perdi. Inúmeras pessoas passaram pela minha vida, por horas, dias, semanas, meses ou anos, que de uma forma ou outra se tornaram experiências inesquecíveis, mas que as circunstâncias dessas vivências trucidaram, dilacerando-me as entranhas e cortando-me o coração em pedaços que com o tempo sararam acabando por se desvanecerem na poeira do caminho. Esse exercício de memória, que muitas das vezes nos leva para estados depressivos quando constatamos quanto velhos ou idosos já somos em relação a esse passado longínquo, não é muito saudável. Pessoalmente dispenso a saudade e a nostalgia, não faço férias nem peregrinações ao meu passado, pois aquilo que fiz e vivi já não poderei repetir e mesmo que tivesse essa tentação já não poderia encontrar as pessoas com quem partilhei os melhores momentos da minha vida, pois a intensidade e paixão com que os vivi nessa altura, jamais poderiam ser repetidos nos mesmos lugares com outras pessoas. O meu passado tem vindo a ser incinerado progressivamente, pois não pretendo recuar nele mais atrás do que o dia de ontem. A maioridade e as circunstâncias da vida acabam por separar as pessoas e trocarem-lhe os caminhos e as voltas, por vezes as zonas geográficas e os países. Sentiremos saudades de conversas jogos e disputas, confrontações e castigos, das descobertas que fizemos, das glórias e derrotas, dos sonhos para o futuro que nunca concretizamos, dos risos abafados, dos choros entrecortados e de tantos e bons momentos compartilhados. Saudades das ferias grandes, dos Natais e das prendas na chaminé, das festas de aniversário, dos bailaricos semanais, dos amores e dos ciúmes, das cartas amorosas passadas ás escondidas, dos escuteiros, das excursões escolares etc. Sempre pensei que as amizades continuassem para sempre em reuniões de escola, primária, secundária ou Universidade. Quando olho para trás hoje em dia apenas vejo deserto, ocasionalmente encontro um Oásis, registo-o e assinalo-o no meu GPS, mas raramente por lá voltarei a passar. As pessoas partiram para destinos diferentes, alteram-se as suas fisionomias tornando-se irreconhecíveis, por vezes através de Facebook lá caçamos um ou outro dos que ainda estão vivos. Podemos nos telefonar, conversar, mas na grande maioria das vezes tudo se passa virtualmente. Aí os dias, meses e anos vão passando, nós vamos envelhecendo e perdendo-nos no tempo que jamais voltará para trás, restam as memórias de um passado distante e de uma juventude sem vícios ou maus hábitos, sã, saudável e genuinamente pura que nos transportou de uma era da idade da pedra, para os dias de hoje e de um século para o outro. A diferença daquilo que o mundo e a ciência sabiam naquela altura era como se vivêssemos na escuridão e hoje na luz do dia. Um dia nossos filhos verão aquelas fotografias ou filmes e perguntarão: Quem são aquelas pessoas? Diremos que eram nossos amigos. E... isso vai doer tanto!!! Foram meus amigos, foi com eles que vivi os melhores anos de minha vida! A saudade vai apertar bem dentro do peito. Vai dar uma vontade de ligar, ouvir aquelas vozes familiares e distintas, a roufenha do Mário a esganiçada do Pedro, a grave do Joaquim novamente. Já fui a reuniões de amigos de escola de trabalho do desporto, de paródias e noitadas, mas também já fui a funerais de alguns que partiram cedo demais, e a quem disse adeus com lágrimas a rolarem-me pela face. Muitas vezes na euforia do momento de um encontro ocasional fiz promessas de nos encontrarmos mais vezes daquele dia em diante. Por fim, depois de alguma conversa fazemos as despedidas e cada um vai para o seu lado para continuar a viver a sua vidinha isolada esquecido que num dia qualquer por mero acidente do destino tropeçou numa pedra do passado. E assim, nos perderemos no tempo, dos sonhos e das ilusões até chegue o dia que nos possamos todos encontrar do outro lado espiritual da vida, sem termos que carregar com a carne putrefacta e o peso do esqueleto. Por isso, fica aqui a minha sugestão que ninguém deixe que a vida passe em branco, e que as pequenas adversidades não sejam a causa de grandes tempestades, porque o que fica são as saudades e lembranças do: EU VIVI. Mas o que eu vivi facilmente deixarei morrer dentro de mim, afim de periodicamente não vir a ser assolado pelo sentimento doentio da saudade ou do saudosismo. Se quiseres homenagear alguém, ou dizeres quanto a amas, estimas, respeitas e consideras fá-lo agora enquanto ainda respiras, e essa pessoa for viva. Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores... mas enlouqueceria se morressem todos os meus já poucos amigos!!! Vilamoura 12-5-2012

Sem comentários:

Enviar um comentário