segunda-feira, 29 de setembro de 2014

CONFISSÕES

Já vivi várias vidas em diferentes continentes, tendo ai deixado parte de mim próprio, por isso, hoje, sinto-me retalhado, consumido, desviscerado e com certa dificuldade em prosseguir a minha vida, apenas com os restos e reminiscências que sobraram das muitas aventuras deixadas na poeira dos caminhos que desgastaram a minha estrutura física e psíquica. Foram vivências únicas e inesquecíveis as quais me deram uma preparação para a vida tremenda. Comecei como recruta nessa escola da vida, e lentamente fui subindo a pulso, todos os degraus e promoções que fui merecendo aos desafios a que fui sendo submetido. Foi um tirocínio fascinante poder progressivamente conquistar e seduzir mulheres com estatutos mais inacessíveis, quer pela beleza, intelecto, posição social ou financeira. Estive sentimental e intimamente associado por horas, dias, semanas, meses e anos a mulheres diferentes, de várias latitudes e longitudes, quer de olhos amendoados ou de cabelos lisos ou encarapinhados. Eram mulheres de raças e credo diferentes, mas todas elas carentes de algo na vida que apenas um homem lhes pode dar. Compartilhei períodos da minha vida com mulheres interessantes, cultas, eruditas, sofisticadas, ricas, pobres, vividas, ingénuas, solteiras, casadas, viúvas, divorciadas, virgens, prostitutas, estúpidas e cretinas. Umas deixaram-me recordações inesquecíveis e inolvidáveis marcando-me para todo o sempre, umas física outras intelectualmente, mas a grande maioria, apenas se cruzaram no meu caminho como objectos pontuais de prazer ou conveniência, não deixando qualquer resíduo ou impacto quer positivo ou negativo. Vivi momentos cósmicos de exaltação, sublimei o infinito prazer, dei azo à imaginação e fantasia, mas também passei por desesperos, frustrações penosas, agonias indescritíveis de dor e sofrimento. Mas em tudo na vida existem contra partidas, também fui largamente compensado com longos períodos de felicidade, que me levaram até aos caminhos da Utopia e da realização absoluta. A minha vida, foi feita de momentos e lugares, de que hoje apenas recordo as protagonistas a espaços temporais. Algumas, foram relações, violentas, tempestuosas, ciclónicas, e vulcânicas, de grande paixão e mútuo arrebatamento. Passei por situações e emoções traumáticas de grande tensão psicológica, que não gostaria de repetir, se bem que no aspecto físico, algumas delas tenham sido extraordinariamente gratificantes. Os altares sagrados de êxtase e sublime prazer, onde estes acontecimentos tiveram lugar, são hoje locais esquecidos nas brumas da minha memória, que não revisitaria a preço algum. Foram santuários onde se verteram, suaram e extraíram, espasmos lúbricos de perversão lúbrica, fantasia e prazer, bem como lágrimas de raiva e fúria recalcada. Em todas essas vidas, muitas verdades ficaram por dizer, momentos de êxtase foram abortados, filhos desejados ficaram por conceber, e outros coarctados ao direito de nascer. Caminhos e corpos ficaram por explorar, e mentes por desbravar, muito amor, ternura e carinho ficaram por dar e receber. Amei apaixonada e incondicionalmente, abusei da paciência, tolerância, fragilidade, dedicação que essas pessoas nutriam por mim. Ignorei o monogâmismo, ridicularizei o ciúme, semeei ventos e colhi tempestades. Comportei-me como um senhor feudal, a quem todas as minhas plebeias eram compelidas a pagar o seu tributo com orgasmos. Conquistei corações que acabei por atraiçoar, fiz promessas de amor eterno que não cumpri e juramentos de fidelidade absoluta que reneguei. Exigi entregas totais e devoções idólatras, que chegaram por vezes a tocar a raia e o limite da paranóia psicopática. O poder forte da minha mente, bem estruturada e psicologicamente treinada, causaram danos irreparáveis em pessoas que não estavam preparadas para receber os meus impactos demasiado demolidores e poderosos. Poucas foram as mulheres que encontrei ao longo da vida, que estivessem preparadas para se baterem comigo num plano igualitário. A grande maioria delas possuíam mentes fracas e vulneráveis, para se poderem proteger, analisar ou reagir, de conformidade com a pressão que sobre elas exercia. O nosso passado só vale por aquilo que nos ensina, e ninguém deve ficar algemado a outrem, mesmo que essas algemas sejam de ouro cravejadas de diamantes, esmeraldas ou outras pedras preciosas, e ainda muito menos fechados/as em gaiolas douradas por muito sumptuosas e luxuosas que sejam. Hoje em dia, quando alguém entra na minha jaula, a porta fica sempre aberta, não faço exigências, nem mantenho reféns, vivo e deixo viver, numa liberdade total onde a forma harmónica da convivência e dos parâmetros do respeito mútuo, o quais são estabelecidos á partida, definem clara e inequivocamente as fronteira e as regras do jogo que cada um dos parceiros está disposto a jogar, sem batotas ou falcatruas. Amar é compartilhar, e não ficar com as sobras, é dar e receber de uma forma altruísta, desinteressada e incondicional, sem contabilizar ou usar certas situações como arma de arremesso, para obter equilíbrios pontuais, afim de saldar divergências, e daí obter dividendos ou situações vantajosas. Há longo tempo que aprendi que os problemas entre os casais não se resolvem na cama, por muito que exista uma forte compatibilidade sexual. Os problemas apenas se adiam e agravam, acabando a relação por apodrecer ao ponto de ser totalmente impossível qualquer reconciliação. Homens e mulheres passam a estar mais receptivos a impactos fora do foro conjugal, e daí até á infidelidade, é apenas um pequeno passo. E, quando isso acontece, é normalmente tarde demais para a solução do problema e o diálogo impossível de se manter num grau civilizado de respeito mútuo devido ás agressões verbais e ofensas graves. Consequentemente todo o diferendo tem que ser discutido e conversado olho no olho, até que se encontrem plataformas de entendimento e consenso, para que a vida possa continuar sem atritos. Todo o relacionamento necessita de uma gestão racional e ponderada, como a de qualquer “budget” familiar com ajustamentos periódicos. A todas aquelas, que por opção pessoal, decidiram entrar no meu mundo, sabiam á partida que teriam que se sujeitar a viver dentro de regras por mim criadas e das quais fui durante longo tempo o seu fiel mentor e executor. Esse estilo de vida que adoptei, fez-me constatar que quando olhava à minha volta, me ia sentindo cada vez mais SÓ. Mas como um velho soldado, decidi que iria morrer de pé com dignidade, sem verter uma lágrima, sem subverter os meus princípios, ou hipotecar o meu presente em relação a um futuro que não sabia nem sei se iria ou vou ter. Sempre evitei o justo, o bonzinho, e o santinho, pois estes são sempre os primeiros a atirar a primeira pedra, a lançar a calúnia soez e a imundice. Estes pseudo guardiães da virtude, que se auto-proclamam lídimos defensores, acérrimos vigilantes e justiceiros da pureza, da castidade e virgindade, chegam ao radicalismo fanático e feroz de condenarem os inventores da própria virtude. Odeiam o solitário e todo aquele individualista que cria o seu próprio código de conduta, ou filosofia de vida. Se alguém se recusa terminantemente a deixar-se enfeudar, a passar carta de alforria, emitir cheques em branco, passar procurações aos donos da verdade absoluta, que decidem unilateralmente determinar qual vai ser o nosso futuro, ou qual o caminho que devemos seguir, estamos definitivamente proscritos, como se fossemos portadores de algum vírus infeccioso. Eu pessoalmente recuso-me terminantemente a deixar-me ser absorvido por uma sociedade consumista, globalizada e universalista, em que a grande maioria obedece sem contestação, como se fossem carneiros levados para o matadouro sem tugir nem mugir. Tenho o direito á diferença, de pensar pela minha própria cabeça e de aceitar ou rejeitar aquilo que não me agrada. Devo aqui solenemente afirmar que não sou anarca, antes pelo contrário, para mim as sociedades deverão ser hierarquizadas com ordem, método e disciplina. Aprendi há longo tempo a não estender a mão á primeira pessoa que me aparece, mesmo que essa mão me salve do abismo, pois isso é apanágio daqueles que dependem de terceiros para tudo na vida, e nunca apenas de si próprios e das suas capacidades individuais. Em vez disso, como lobo solitário, aprendi a estender a pata, e sempre me preocupei quando tive que o fazer, mostrar as minhas garras bem afiadas, o que me leva por vezes a ser para mim próprio o meu pior inimigo e crítico. Aprendi a viver com os meus santos e demónios, e a ter sete vidas como os gatos. É bem possível que isso tenha a ver com os genes biológicos que herdei dos meus antepassados. Como solitário que sou, continuarei na minha senda de apenas fazer na vida aquilo que me agrada, gratifica ou sinto paixão, e nessa opção continuarei obstinadamente a fundamentar a minha existência até que o fogo do crematório ou os bichos da terra me consumam. Continuarei a defender intransigentemente a verticalidade, consistência e independência, onde apenas existem duas cores: BRANCO e PRETO, odeio todos aqueles que vivem, vegetam ou beneficiam do cinzento. Muitas vezes sinto-me incompreendido, ignorado, criticado, outras vezes preterido e marginalizado como um leproso, mas um dia...quem sabe...? Talvez, alguém decida mitigar a meu favor, sem que isso contudo venha alterar o meu epitáfio. Vilamoura 1996

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