segunda-feira, 29 de setembro de 2014

MIRIAM (Conto Veridico)

É bom ter-se memória, pois quando ocasionalmente decidimos revisitar o passado muitos anos depois de certos eventos terem ocorrido, acabamos sempre por encontrar no baú das recordações situações ou histórias que merecem ser contadas, sendo esta uma delas. Haverão certamente muitas outras que se passaram ao longo de outros escalões etários que oportunamente relatarei se a memória não me atraiçoar. Esta história passou-se em Angola-Luanda quando decorria o ano de 1966. Nessa altura encontrava-me no Lobito deslocado em funções profissionais, e como estávamos perto do fim do ano decidi vir passar uns dias de férias a Luanda para matar saudades da família e amigos. Em Luanda tinha uma amiga de escola mestiça chamada Maria Eulália Monteiro (Milá), a qual se tinha tornado hospedeira de terra do C.I.T.A (Centro de Informação e Turismo de Angola) que operava no Aeroporto de Luanda. Esta minha amiga apresentou-me uma senhora de nacionalidade americana que tinha chegado há dias atrás a Luanda e que se encontrava hospedada no Hotel Turismo na baixa da cidade junto á marginal. A referida senhora era filha de pais Jugoslavos, mas nascida nos EUA. A determinada altura os pais dela divorciaram-se, e o pai resolveu vir para Africa e neste caso particular escolheu Angola para se radicar, onde fez fortuna em negócios de café, o qual nessa altura era chamado de ouro negro, pois atingiu preços incríveis no mercado internacional. O pai dela era produtor de café pois tinha várias fazendas no norte de Angola onde se dedicava ao cultivo deste produto, o qual também exportava através de uma empresa em Luanda criada para o efeito. Este senhor acabou por se relacionar com uma mulher com quem teve um filho, o qual ao tempo em 1961, viviam numa das fazendas na zona de Quitexe ou Quibaxe. Quando o terrorismo eclodiu nesta altura desencadeado pela UPA (União dos Povos de Angola) posteriormente chamada de F.N.L.A (Frente Nacional de Libertação de Angola) liderada por Holden Roberto, toda a família foi assassinada e desmembrada á catanada nessa madrugada na casa da fazenda onde viviam, bem como grande parte dos trabalhadores rurais negros, que não conseguiram fugir. Na noite de 15/16 de Março de 1961 os elementos negros da UPA atacaram de surpresa a grande maioria dos fazendeiros e agricultores brancos e suas famílias nas suas isoladas roças e fazendas no norte de Angola. A grande maioria deles eram empregados de confiança desses fazendeiros tendo alguns criado os seus filhos desde a data do seu nascimento, mas mesmo assim durante a madrugada assassinaram as famílias inteiras com requintes de malvadez. Este homem á data da sua morte já tinha feito uma fortuna colossal, era dono de vários prédios na Av. Paulo Dias de Novais (marginal) bem como fábricas de peixe no Cacuaco, terrenos e outros imóveis. Miriam, a sua filha, alguns anos depois destes tristes acontecimentos veio a Luanda para resolver o problema da herança e tentar vender esse imenso e valioso património, e legalmente tentar transferir o dinheiro dessas vendas com permissão do organismo estatal que regulava o fundo cambial. Só que o total desse dinheiro só poderia ser transferido parcialmente durante alguns anos em tranches devidamente autorizadas legalmente. Nessa época a moeda que circulava em Angola era chamada de angolares, e só tinha valor fiduciário dentro dessa colónia, não sendo reconhecida nem mesmo em Portugal que emitia esse dinheiro. Miriam tentava receber os pagamentos directamente dos compradores em moeda estrangeira que tinham dinheiro em bancos estrangeiros, ou comprando avultadas quantias no mercado negro em Luanda. Miriam era uma mulher escultural, linda tipo artista de Hollywood mas igualmente bastante inteligente, pois era formada por Harvard em Economia. Estava na casa dos 35 anos, loira de olhos verdes, era o tipo de mulher que raramente se via em Luanda e que como é obvio atraía de imediato as atenções do sexo masculino. Miriam era casada com um homem cerca de 20 anos mais velho do que ela. Era um magnata da Industria Hoteleira bastante poderoso e ciumento, que segundo ela dizia, passava as manhãs no seu escritório em casa agarrado ao telex e telefone a dar instruções aos seus agentes na Bolsa, para vender e comprar acções de várias empresas. Diariamente Miriam recebia no hotel ramos de flores enviados pela Interflora com cartões amorosos enviados pelo seu marido nos USA. Entre mim e Miriam a partir do momento em que nos conhecemos gerou-se uma enorme empatia, o que nos levou a sair regularmente para jantar em vários locais típicos como seja a Ilha de Luanda. Eu era na altura cerca de 10 anos mais novo do que ela e muito menos experiente em muitos aspectos vivenciais. Nessa altura como é fácil de imaginar o meu sistema hormonal fazia-me transpirar testosterona por todos os poros do meu corpo, especialmente quando nos tocávamos acidentalmente. Acho que comecei a sonhar com a possibilidade de poder vir a ter algo intimista com esta mulher de um calibre que nessa altura da minha vida nunca considerei poder estar ao meu alcance. Miriam encontrava-se num patamar muito acima do meu em vários níveis, mais isso não me intimidou de começar a construir castelos na areia, desenvolvendo simultaneamente uma paixão a qual na altura apenas residia na minha mente, que Miriam seria a mulher da minha vida e com a qual eu queria viver eternamente. Saímos por várias vezes a partir do final da tarde, uma vez que durante o dia ela se encontrava ocupada com negociações, bem como com contactos na Inspecção de Câmbios, para obter autorizações de transferências monetárias. O nosso relacionamento estreitou-se e a atracção mútua foi-se consolidando o que nos levou a algumas intimidades amorosas. Como a noite de fim de ano se aproximava, combinamos passa-la de uma forma o mais possível romântica e original. Nessa noite jantamos em Luanda e depois rumamos até ao Morro dos Veados, na estrada para a Barra do Quanza a cerca de 50 kms de Luanda, local ermo e isolado em frente á Ilha do Mussulo onde chegamos cerca das 10.30 da noite. Meti o meu Austin por uma picada até á praia junto ao mar. Estava um noite de luar perfeito, tirei um cobertor, um gravador de pilhas portátil com cassetes de música adequada para o momento, bem como uma pequena geleira portátil onde levava uma garrafa de champanhe e dois copos e alguns bolos sortidos para a ceia da meia noite. Despimo-nos totalmente e foi quando pela primeira vez vi aquele corpo refulgir ao luar, peitos marmóreos e firmes, pernas longilíneas e bem torneadas, e os cabelos louros pela altura dos ombros, toda essa imagem me deixou estonteado de desejo. A areia ainda quente, fazia-se sentir nas solas dos nossos pés descalços. Corremos para dentro daquelas aguas cálidas, onde agindo como adolescentes nos deliciamos em brincadeiras, beijos e outros preliminares amorosos. Depois dançamos entrelaçados e entre murmúrios e palavras desconexas, acabamos por cair no cobertor, onde fizemos amor de forma tresloucada e visceral. Do local onde nos encontrávamos vislumbrávamos perfeitamente as luzinhas a brilhar no horizonte da cidade de Luanda. Acho que durante toda a noite fizemos amor cerca de 7 vezes, os clímaxes sucediam-se bem como os orgasmos ruidosos que Miriam deixava sair por entre aqueles lábios carnudos e sensuais. Á meia-noite em ponto abri com estrondo a rolha da garrafa de champanhe, e juntos celebramos aquela paixão que consumia os nossos corpos sequiosos um do outro, partindo os copos numa rocha perto de nós, para que outros lábios não pudessem conspurcar os mesmos copos por onde tínhamos bebido e elixir mágico do amor que levianamente nessa altura euforicamente, pensamos que poderia ser eterno. Quando a noite já se embrenhava pela madrugada, regressamos a Luanda felizes, contentes e consumidos até á exaustão por aquela noite em que os nossos corpos, bocas e sexos dominaram o Universo. Fomos durante algumas horas, donos absolutos daquela praia deserta, fazendo dela o nosso paraíso idílico, e onde deixamos na areia marcas indeléveis de uma paixão arrebatadora, a qual infelizmente iria ter os dias contados. Nos dois dias seguintes, partilhei do seu quarto até altas horas da madrugada no Hotel Universo onde entre espasmos de volúpia reiteramos o nosso amor, o qual possuía os nossos corpos de uma forma ardente e demencial. Na véspera da minha partida para o Lobito fiquei gratamente surpreendido quando Miriam me disse que iria passar mais uns dias comigo, obviamente que fiquei delirante com a sua decisão. No dia seguinte pela manhã, no meu pequeno Austin Cooper S todo artilhado, lá nos metemos a caminho para fazer um pouco mais de 600 kms. Salvo erro e omissão penso que deixamos Luanda cerca das 9 da manhã e só chegamos ao Lobito perto das 10 da noite. A razão porque levamos todo este tempo passo a explicar. Por várias vezes saímos da estrada de asfalto e metemos em picadas, para fazer amor. Almoçamos na Gabela, paramos em Novo Redondo para Jantar. Obvio que quando chegamos ao Lobito era noite cerrada, fomos para o meu apartamento no Prédio dos Melos onde eu vivia no 10ª andar em frente ao mar, com uma vista magnífica sobre a Baía, na Restinga do Lobito. Uma vez mais, apesar de cansados acabamos por fazer mais uma vez amor, deixando que os nossos corpos em delírio se entregassem sem restrições, penetrassem e consumissem de uma forma quase que animalesca. Acho que levamos esses momentos de lascívia até ás últimas consequências. Acabamos por adormecer esgotados e entrelaçados. No dia seguinte quando acordei já o sol ia alto no horizonte, para a maior surpresa da minha vida vi Miriam sentada aos pés da minha cama com um tabuleiro, onde se encontravam torradas sumo de laranja, ovos e bacon. Como não tinha nada em casa de géneros alimentícios, perguntei-lhe muito ingenuamente onde é que ela tinha ido descobrir aquele opíparo pequeno-almoço? A minha pergunta tinha alguma razão de ser, pois tínhamos chegado de noite a um local totalmente desconhecido para ela, portanto não poderia fazer a mínima ideia do sítio onde se encontrava, além de que a restinga era uma área apenas residencial. Miriam acabou por satisfazer a minha curiosidade dizendo que se tinha levantado cedo, depois apanhou um táxi que a levou á cidade a um dos cafés onde ela encomendou aquele pequeno-almoço que trouxe no táxi de volta até ao apartamento. Depois acrescentou que ficou sentada aos pés da cama a ver-me dormir até ao momento em que acordei. Confesso que aquela atitude me desconcertou totalmente deixando-me extasiado e petrificado, pois pela primeira vez na minha vida, alguém tinha feito algo que pela sua originalidade, maturidade fez a diferença e me surpreendeu fortemente. Ainda hoje, com dezenas de experiências com mulheres diferentes, e com 3 casamentos no meu portefólio, uma situação idêntica a esta jamais voltou a ser repetida. Foi algo demasiado marcante para a minha idade, mas ainda bem que aconteceu, pois a partir dessa altura passei a ter uma bitola de comparação. Passado 3 dias Miriam apanhou o avião de regresso a Luanda, e no aeroporto, agarrados um ao outro derramei as minhas primeiras lágrimas de amor na vida. Ambos choramos convulsivamente, pois Miriam sabia que seria a última vez que nos veríamos. Pedi-lhe que ficasse comigo e não regressasse aos EUA. Nessa altura ela confidenciou-me que se não voltasse o marido revolveria o céu e a terra até a encontrar e que se soubesse que tinha sido atraiçoado enviaria dos EUA um assassino contratado para me eliminar do número dos vivos. Passados alguns dias recebi uma carta que ainda guardo algures onde Miriam de uma forma cândida e despudorada desnuda todos os seu sentimentos amorosos por mim. Foi uma das mais bonitas cartas de amor que recebi ao longo da minha vida. Muito embora jamais nos voltássemos a ver ou a contactar ainda guardo ao fim de todos estes anos a recordação vivida desta bonita história de amor que vivi quando pela primeira vez na vida, amei uma mulher adulta, sabedora e experiente que fazendo uso daqueles pequenos nada, pode fazer com que alguém a recorde para o resto da vida. 3-6-2010

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