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segunda-feira, 29 de setembro de 2014
O MAR
Um destes dias parei o meu carro nas traseiras do Hotel Tivoli antigo Marina Hotel, junto ao mar e numa atitude contemplativa e fechando os olhos, embrenhei-me na solidão dos meus pensamentos os quais me levaram numa viagem intemporal sobre o meu passado. Não estando propriamente interessado com o destino onde esses mesmos pensamentos me poderiam eventualmente levar, nem de controlar os eventos que a minha memória particularmente desejava recordar Recostado comodamente e ouvindo algumas melodias propicias ao relaxamento, semicerrei os olhos e deixei que a minha mente me levasse numa enxurrada e turbilhão de pensamentos como se uma gaivota voasse livremente sem destino sobre o meu passado, deixando-a pousar fugazmente em várias épocas relevantes e marcantes. A vida, só pode ser entendida, olhando para ela retrospectivamente, mas dela, poderemos tirar as ilações necessárias para que no futuro com a aprendizagem que fizemos no passado, possamos continuar a vive-la de uma forma mais tranquila. Enquanto passava por este transe de aparente catalepsia, revivi momentos de grande intensidade, como se tivesse embarcado na máquina do tempo de H. G. Wells, e viajar sem destino pelo espaço cósmico em direcção ao meu passado. Passado algum tempo, voltei à realidade nua e crua da vida, peguei no meu bloco de notas que sempre me acompanha e rascunhei o resultado da minha auto-psicanálise para memória futura. Também aproveitei o ensejo para agradecer a todos os deuses do Universo a ventura de estar vivo, mas sobretudo o raro privilégio que me concederam em poder admirar e contemplar o equilíbrio harmónico da natureza que de uma forma tão perfeita criaram para o gozo de nós os mortais. Apercebi-me que o mar azul esverdeado investia furiosamente contra os pontões artificiais que dão entrada para a Marina de Vilamoura como um touro enraivecido e furioso que procura cornear o toureiro provocador. Estamos na época das marés vivas, onde as vagas alterosas espumando como que atacadas por epilepsia se tentavam por em bicos dos pés, saltando e atropelando-se umas ás outras na tentativa desesperada de chegar em primeiro lugar ao pontão, contra o qual esbarravam estrondosamente, num ribombar ensurdecedor que mais pareciam trovões. Outras conseguiam manobrar como condutores hábeis a sua direcção, e acabavam espraiando-se preguiçosamente pela areia fina da praia, ainda bastante poluída dos dejectos e detritos ali deixados pelos veraneantes do recente verão ainda não muito distante.
A brisa forte do levante (Suão), que nesta altura vinda do norte de África, causa a formação dos enormes vagalhões acalmou, e o mar numa transformação rápida como se de um passe de mágica se tratasse, ficou repentinamente mais sereno como se tivesse sido domesticado ou comandado por ordens superiores ou divinas. Fiquei espantado com esta súbita alteração, pois as ondas gigantescas e raivosas passaram para um ondular, dócil e dolente como que rastejando ou deslizando para não chamar a atenção, deixando na areia flocos de espuma e algas marinhas que a maré na sua enchente trouxe sabe Deus de onde, mais parecendo uma extensa plantação de algodão.
É nesta amálgama de sentimentos desconexos que olho profundamente para dentro do meu ser e me vejo orgulhosamente só, pois ao longo da minha vida não tenho feito mais do que triturar mentes, violentar consciências, esmagar e manipular personalidades, estimular desejos, seduzir corações e incinerar corpos que deixaram de me ser úteis quer profissional quer sentimentalmente, sem que alguma vez tivesse sentido pesos de consciência ou remorsos.
Na guerra da vida, quer seja ela, pela sobrevivência, por capricho, poder, ou para chegarmos mais rapidamente aos nossos objectivos, alguns corpos têm ser sacrificados e soçobrar, pois apenas constituem escolhos que levam tempo a remover e nos fazem perder precioso tempo na persecução do nosso trajecto em direcção ao nosso destino.
Para nós foram apenas anónimos, e como tal, não mereceram que perdêssemos tempo nas suas exéquias, nem tão pouco a assinalar nas suas lápides algo que tenhamos que recordar, pois não passaram de meros peões, que tiveram que ser removidos no complicado xadrez da vida. Estou a entrar numa fase camaleonica de mudança de cor ou tal como uma cobra a tentar deixar para trás a minha antiga pele, com a qual vivi durante tantos anos. Tento agora apagar do meu rosto, talvez por vezes um pouco taciturno e tisnado das tempestades emocionais, esse rictus facial duro e decidido que aliado a uma vontade férrea me alcandorou ao lugar e posição que hoje mantenho na escala hierárquica da sociedade onde me insiro. Nesta fase da minha vida, procuro preencher os meus dias calmamente, sem horários, pressões ou compromissos, quer que alterem as minhas anárquicas rotinas diárias. Tenho que me fazer humilde como o mar, quando de forma amena e silenciosa avança sem se fazer notar recobrindo toda a praia. Preciso de ter a perseverança triunfante das ondas de fazer de cada um dos meus recuos ocasiões de ascensão. Preciso de dar ao meu rosto a claridade das águas límpidas e translúcidas dos mares do hemisfério sul, e à minha alma, a brancura da espuma. Preciso de iluminar a minha vida, tal como os raios de sol fazem cantar o espelho das águas quando por elas são refractados.
Os meus olhos continuam a ser janelas abertas e indiscretas para o mundo, pois não só me permitem observar até ao infinito, como me possibilitam analisar, despir e dissecar todos aqueles a quem concedo o passe para poderem ter acesso ao meu mundo, cujo fosso aberto em meu redor é de tal forma abissal que desencoraja os mais afoitos, corajosos e atrevidos a tentar ultrapassa-lo. Espero que o meu olhar vivo e atento passe a despertar uma forma de pureza, doçura, temperança e relaxamento que não mais volte a transmita sentimentos de impaciência, arrogância, implacabilidade e frustração. Farei um esforço para que de futuro, o meu olhar tenha a virtude de se fechar ignorando aquilo que não pretende que a minha mente assimile ou que o meu coração altere a sua batida cardíaca, ou ainda finalmente que o meu sexo vibre de desejo. Por outro lado espero igualmente que nunca sinta a necessidade de me afastar do mundo por medo, cobardia ou insegurança. Tenho a consciência de que a minha mente tem hoje a capacidade de reconhecer de uma forma profunda as minhas limitações quer físicas ou mentais.
Espero que os meus olhos se mantenham bem rasgados, límpidos e firmes, que saibam enternecer-se, que sejam capazes de chorar, que não sujem, toquem ou conspurquem aquilo que genuinamente não desejam, que não perturbem, ou desassosseguem com promessas falsas quem não preenche o meu critério, que sejam serenos e sinceros, e não entristeçam mas antes pelo contrário, que semeiem a alegria, que não seduzam por capricho para guardar cativo, e finalmente que censurem para encorajar. Esta será a imagem que nestes dias eu pretendo que os meus olhos transmitam para o mundo como se de uma máquina de projectar se tratasse. Pretendo que através deles, o filme das minhas emoções seja visto e reconhecido para quem neles profundamente concentra o seu olhar, quer as emoções que neles perpassam, sejam de alegria ou tristeza. Espero ter conseguido remover da minha face e olhar, a impenetrabilidade de um jogador de poker profissional o qual não deixa transparecer nenhuma emoção que possa denunciar o que me vai na mente, alma ou coração. Há dias procurei fazer uma romaria ao fundo do meu coração, e tentar reencontrar a alma perdida há longos anos, afim de a poder fazer renascer. Confesso que não gostei de nada daquilo que vi….. por todo o lado existe o caos, escombros das antigas derrocadas que fui deixando para reconstruir em futuras oportunidades. Penso que ainda existe dentro de mim muita força anímica e amor, mas por vezes o preço desse mesmo amor é pago com a nossa própria auto-destruição e por violentos tremores de terra que abalam toda a nossa estrutura e que na escala de Ritcher pouco deixam de pé. Por vezes é preferível que não existam vestígios do passado, e que tudo se volte a reconstruir e renascer como a Fénix a partir das cinzas, em vez de aproveitarmos algumas das antigas fundações, tapando as chagas ainda abertas do passado para poupar tempo. Amar sincera verdadeira e desinteressadamente faz doer, deixa cicatrizes no nosso corpo como se tivéssemos estado envolvidos numa batalha. Fiz promessas de amor eterno assim como roguei pragas retaliatórias de ódio e maldição, por isso ainda me sinto endividado quer a Deus quer ao Diabo por várias hipotecas que ainda não paguei. Nestes fins de tarde outonais onde faço da solidão a minha companheira preferida, penso também em todos esses milhões de pessoas que pelo mundo fora se sentem aprisionados em cárceres minúsculos dentro dos seus cérebros e corações em celas individuais sombrias e húmidas. Estes seres humanos terrivelmente sós com os seus pensamentos penitenciam-se e sofrem, tentando curar as suas chagas purulentas que sangram constantemente de casos emocionais mal resolvidos.
É nesta masmorra mental, que em geral armazenamos os silêncios horrorosos dos nossos corações, searas de ódios, humilhações, desesperos, violência e vexames e que se tornam o túmulo dos amores não correspondidos e das ligações ou casamentos fracassados que nesse silêncio sepulcral ainda mais doem, e, nessa solidão ainda mais oprimem o nosso coração. É duro quando se está só, mas ainda é mais duro dar sem cessar ou sem nada receber, é duro ir ao encontro dos outros quando ninguém se preocupa em vir ao nosso. É duro ter que sofrer solitariamente com os nossos pecados ou remorsos, sem ter quem nos ajude a carrega-los. É duro estar na posse de segredos sem poder compartilha. É duro sustentar e dar alento aos fracos sem nos podermos apoiar em alguém suficientemente forte. É duro estar sozinho diante do mundo e sujeito ao seu julgamento, é duro estar diante do sofrimento, do pecado, do arrependimento e da morte. Estou verdadeiramente cansado de ver tantos rostos, de despir tantos corpos, de desnudar tantas almas, de acariciar e possuir tantos sexos, e tudo isto baseado num único sentimento: Possuir…possuir….possuir. Isso teve efeitos devastadores no meu corpo e apesar de nele ainda se verificar uma certa juventude aparente, algumas raízes do meu cabelo embranqueceram, ténues rugas passaram a sulcar o meu rosto (não muitas felizmente), o meu olhar inexplicavelmente perdeu o seu fulgor, e o fogo que ardia incontroladamente como um vulcão dentro de mim, amainou substancialmente. Eu quando amo entrego-me totalmente, sem reservas ou condições, e os dois únicos amores que preservo, protejo e ainda subsistem sem que deles alguma vez venha a abdicar são: O meu amor-próprio e o meu amor politeísta a todos os Deuses do mundo .
Outono de 2004
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