sábado, 14 de março de 2015

A FELICIDADE

Todos os seres humanos procuram desesperadamente serem felizes quer na forma de casal quer individualmente, pois não só, é, um direito legítimo que lhes assiste, como uma esperança que deve ser tenazmente perseguida na expectativa da obtenção de um “modus vivendi” mais, estável e equilibrado, que nos permita gerir o curso das nossas vidas sem grandes oscilações emocionais difíceis de prever ou controlar. Mas quando nos interrogamos, afim de tentar saber qual a definição morfológica desta palavra mágica que é a Felicidade, talvez a mesma tenha um significado diferente para diferentes pessoas tentando usar métodos diferentes na tentativa de a conseguir obter. Quem é que a dá? E quem a tira? Quanto tempo dura? Na minha óptica, ninguém tem o direito de a tirar a todos aqueles que a encontraram. Roubar sonhos de esperança a alguém, é como tirar um chupa-chupa a uma criança, é um crime sem perdão, pois a Felicidade não se compra, vende ou herda, obtém-se a custo de sacrifício, humildade, compreensão, dedicação, abdicação, altruísmo, fé, esperança e amor. Onde é que este estado de espírito se encontra? Como é que se alcança e obtém? Qual o caminho a seguir para entrar na sua posse ou orbita? Todos aqueles que tiveram a sorte a sabedoria ou o privilégio de usufruir dos seus prazeres, não abrem mão do seu segredo, nem nos confidenciam quais os caminhos que trilharam e calcorrearam para a encontrar, afim de entrarem na sua posse. O número exíguo dos seus detentores guarda ciosamente nos cantos mais recônditos do seu ser, as estratégias pessoais, que desenvolveram para conseguir alcançar este estado espiritual de sublimação. Todos aqueles que a perseguem com denodo e determinação, encetando essa longa viagem, para alguns sem retorno, pois acabam de se perder ou ficar pelo caminho, uma vez que ela tanto pode ser encontrada ao virar de uma esquina como nos confins do mundo. É como quem parte para uma odisseia ou cruzada, na perseguição desse sonho, dessa quimera, quiçá irrealizável como é a do Santo Graal. Quem se decidir partir para essa viagem, sem data fixa para o seu regresso, terá de estar preparada para que a mesma possa durar dias, semanas, meses ou anos e estar atento a todos os perigos de armadilhas, ciladas, solicitações de aliciamento de toda a espécie, que serão o seu dia a dia nesse longo extenuante e desgastante percurso. Quer a título individual ou colectivo quem o fizer terá que procurar sair incólume das batalhas e escaramuças que eventualmente terá de travar. Para todos a partida é difícil, pois ninguém sabe qual o caminho a trilhar ou a direcção a seguir, e mesmo depois de muito perguntar e inquirir, ninguém saberá ou quererá voluntariar-se para nos facultar qualquer indicação, sobre a sua localização concreta. Contudo todos que a querem encontrar, partem cheios de fé, esperança e determinação e a energia suficiente para percorrer todas as estradas e caminhos do mundo. Terão de perguntar milhões de vezes em diferentes linguagens e dialectos, a pessoas de raças, credo e religiões díspares, onde é que a Felicidade habita se esconde ou alberga. Cruzar-se-ão com povos, etnias e gentes de todas as latitudes e longitudes, dialogarão com crianças ainda sem maldade, com adolescentes cheios de ilusões, com adultos carregados de projectos e velhos amargurados, vergados ao peso das desilusões de sonhos desfeitos e recordações amargas. Com todos terão que falar, e por vezes entre lágrimas de raiva, dor, desespero, sorrisos de ingenuidade, crença, esperança ou fé, perguntaremos: Qual o caminho para a Felicidade? E tudo o que constatamos e vemos será ilusões desfeitas, raiva contida pela injustiça e exclusão social e a frustração de impotência de continuar a lutar por uma vida melhor, na tentativa de sermos recompensados ou ver o nosso esforço coroado de êxito. Veremos o desespero dos que já, fatalisticamente exauridos em inanição e sem força anímica, abandonaram a hipótese de continuarem a lutar contra o destino adverso como uma praga. Veremos a arrogância no olho e na face algo descomposta pela fúria e impotência daqueles que continuam a acreditar e a lutar com firmeza e convicção pelos seus sonhos e esperanças, que teimosamente não querem ver desfeitas. Veremos corpos esquálidos martirizados pela fome, cadáveres desmembrados e em decomposição resultante de guerras fratricidas e étnicas, vimos vidas serem destroçadas pelo destino cruel, seres humanos definhados em consequência de doenças terminais, e, tal como nós, verão pessoas serem executadas pela lei dos homens e de Religiões, num fanatismo radical, feroz e cruel. De tudo vimos um pouco, acumulámos experiências, fizemos perguntas inteligentes a gente estúpida e vice-versa, para estudar reacções e recebemos respostas imbecis, mas não desmoralizamos e continuamos sistematicamente a perguntar a todos aqueles que pensámos, nos poderiam ajudar na eventual identificação do caminho certo para a felicidade. Como respostas às nossas perguntas embaraçosas, tivemos um encolher de ombros, olhares reticentes e desconfiados, respostas dúbias e evasivas, monólogos titubeantes e desconexos. De entre novos e velhos, gente experiente, cosmopolita, citadina, rural e rústica, ricos, remediados e pobres, percebemos a infantilidade e angustia, de que a vida é feita de encruzilhadas, avenidas mais ou menos iluminadas, becos e vielas mais ou menos concorridos. Paramos por uns momento afim de meditar seriamente se estaríamos em perseguição de um sonho ou uma quimera, ou mesmo atrás de um misto apenas resultante de um sentimento descrito por poetas, ensaístas ou filósofos, nunca antes visto ou sentido pelos mortais. Há longos anos que nos temos vindo a interrogar sobre se na verdade, existirá um caminho para a Felicidade? Viajámos disfarçados, personificando várias personagens, rasgámos sombras e penumbras, percorremos picadas poeirentas à torreira do sol escaldante, subimos montes e vales, azinhagas tortuosas, desertos áridos, terrenos pantanosos, rios, mares, planícies, estepes, savanas, fiordes e glaciares gelados, abrimos portas ao acaso, entramos em antros de vício e maldição, desafiamos as intempéries da natureza, monções, terramotos, ciclones, tornados e vulcões. Subimos aos elevadores do céu, e descemos às escadas do inferno, estivemos em prisões e corredores da morte, asilos e orfanatos, hospícios e manicómios, casas de putas baratas e casinos para gente fina. Escalamos ao topo de montanhas, fizemos perguntas aos eremitas, fomos aos conventos e falámos com os frades, às igrejas para interpelar os padres, fomos aos Himalaias pedir conselhos aos gurus, estabelecemos diálogo com académicos, ateus, agnósticos, apóstatas, hereges, refractários, terroristas, ordens religiosas, partidos políticos e pessoas eruditas. Consultámos videntes, astrólogos, bruxos, espíritas, parapsicólogos, desafiámos tempestades, fizemo-nos juízes da nossa existência, desflorámos silêncios e virgens, desalojámos fantasmas do nosso subconsciente, renegámos o amor, desprezámos gente querida, vivemos reminiscências de um passado esquecido. Duvidámos e pusemos em causa os nossos sonhos e as esperanças, cortámos nuvens aos bocados com a espada do desespero e da nostalgia, amámos e fomos amados, caluniámos e fomos desprezados e tudo isto fizemos em nome da Felicidade. Hoje muitos de nós, continuam sem a encontrar, mas contudo podemos ter certeza de que ela já se cruzou connosco por fugazes momentos, dando-nos a cheirar e saborear alguns dos seus odores e prazeres, que sendo contudo efémero, nos deram mais força para continuar em sua perseguição, até ao resto dos nossos dias se disso for caso. Por isso, a nossa aventura continua, e os nossos pés empolados de tanto caminhar recusam-se a obedecer à nossa vontade, por vezes querem desistir O pó e o suor, perlam a nossa face fustigada pelo capricho agreste do tempo, ou tisnados pelo sol escaldante. Contudo num mundo calculista e desprovido de sentimento, nós continuaremos a perguntar incessantemente a alguém que nos oriente, nos dê um sinal, um indício, uma pista, um rasto que nós seguiremos infatigavelmente, alimentados pela esperança de que um dia lhe bateremos à porta quer seja por acaso, coincidência, ou sorte, mas muito dificilmente por termos obtido o paradeiro certo. Ao longo do ano e de tanto caminhar, tivemos oportunidade de conhecer mulheres bonitas e sedutoras, cortesãs pecaminosas, criminosos convictos, homens bem vestidos, charmosos e bem falantes, pobres famintos e esfarrapados, crianças saudáveis e doentes terminais, velhos e snobes sofisticados e elegantes, brasonados com e sem títulos nobiliárquicos, proxenetas sem escrúpulos, políticos corruptos, mercenários sem Deus ou Pátria, credo ou cor. Contactamos religiosos fanáticos, homossexuais e sáficas convictas, tarados sexuais, milionários arrogantes, drogados embrutecidos e a todas estas personagens típicas nós perguntámos a todos, qual o caminho para a Felicidade. Tivemos a ousadia de até aos ricos e personalidades famosas a quem nada faltava, e para quem todos os mínimos caprichos poderiam ser satisfeitos onde se escondia a Felicidade, mas todos eles, se encerravam num mutismo feroz, quando a pergunta lhes foi feita. Não sabemos se por vergonha de terem que admitir que no meio de tanto fausto e materialismo, também eles não sabiam a morada certa ou a sua felicidade era apenas comprada, No meio de toda esta incerteza e falso alarme, continuámos pacientemente a bater a portas fechadas, e a entrar nas abertas, inquirindo aqui e além, com o coração dilacerado pela dúvida, se é que esta palavra mágica que se dá pelo nome de Felicidade, existe ou é apenas uma utopia, ou é efectivamente apenas um sonho que tem albergue na nossa imaginação, ou apenas na mente fértil de alguns loucos e lunáticos mentalmente atacados pelo sol escaldante dos trópicos, que lhe afectou a visão, criando miragens, de um sentimento maravilhoso que apenas existe nos contos de fadas ou das mil e uma noites. Houve alturas, em que caminhamos no meio de uma multidão ululante que apinhava a grande artéria e avenida da vida, correndo apressadamente e de uma forma errante sem direcção ou sentido de objectividade. As nossas mentes giraram como parabólicas e radares em ângulo de 360º, deixando-nos estonteados na vertigem da dúvida e incerteza, da realidade, sonho e pesadelo. Entre o superficial e o profundo, o laico e o profano, debatemos as nossas convicções, e entre a mediocridade e a excelência, encontrámos o equilíbrio necessário e harmónico que continua a influenciar positivamente a nossa mente. Entre o aborto e a obra de arte, entre o crente e o ateu, o capitalista e o comunista, o cristão e o infiel, entre todas estas manifestações opostas e contraditórias, de posicionamento ou opções, nós fomos estudando, desventrando, dissecando, analisando um mundo que igualmente nos autopsiava e violentava, aos olhos da sua gente, que despudoradamente nos tentavam despir, arrancando as nossas vestes, afim de nos deixarem física e mentalmente desnudados, com a finalidade de tentarem descobrir que tipo de impostores éramos nós. E no meio dessa gente, descobrimos, simbolismos mercantilistas, um mundo a globalizar-se, uma sociedade decadente e dividida entre aristocráticas saudosistas, liberais, republicanos, conservadores, socialistas, marxistas, comunistas, ecologistas e sociais-democratas. Os valores morais quase deixaram de existir o sexo banalizou-se, os ricos estão mais ricos e os pobres mais pobres. A classe média está em vias de extinção, tudo e todos se atropelam, afim de tentarem chegar a um destino, o qual não fazem a mínima ideia onde se encontra ou se os seus projectos de vida são exequíveis. Correm pela vida até ao esgotamento, procurando apenas chegarem a qualquer lado sãos e salvos. O mundo, está cheio de pessoas que nascem, vivem e morrem, sem nunca chegarem a saber qual a sua identidade e as bandeiras que defendem, qual a sua missão na vida, de onde vieram para onde vão e qual o timing previsto para chegarem ao seu destino. Todos correm para um futuro que nem sequer sabem se o vão ter, na medida em que faltam peças essenciais para que o puzzle da vida se ajuste ou seja terminado com sucesso. E tudo isto, porque todos vivem na ânsia de encontrarem a Felicidade, essa palavra mágica que remove montanhas, que dá forças colossais de Hércules aos anões, e a todos aqueles seus detentores transportando-os para o além, numa viagem intemporal, onde se perde a noção do tempo e do espaço estratosférico. Os nossos olhos viram imenso do mundo, e os nossos ouvidos escutaram melodias maviosas, gritos de desespero, sons abafados de bocas amordaçadas, torturadas por torcionários sem coração. Entre choros convulsivos, silêncios sepulcrais, vertemos lágrimas, sarámos feridas pestilentas do corpo, da mente e da alma, tornámo-nos insensíveis, descrentes, frios e distantes, afim de podermos prosseguir a nossa viagem sofrendo menos com a infelicidade dos outros. Vimos crianças descontentes por não serem homens, adultos frustrados por verem o seu tempo a fugir e não poderem mais voltar a ser meninos, e vimos velhos rabugentos e senis descontentes por já não serem homens nem meninos. E, todas estas pessoas defraudadas e desiludidas por a vida não lhes ter concedido uma segunda oportunidade, ou um segundo fôlego para poderem aliviar a sua consciência, repondo a verdade naquilo que ela lhes pesa, ou tentarem soluções e objectivos diferentes. E mesmo estes, que não estavam satisfeitos quer com a sua idade, ou vida, não souberam dizer-me aquilo que eu pretendia saber. A felicidade está tão perto das coisas pequenas como na profundidade do grande nada. A felicidade não é uma estação a que se chegue, mas um modo de viajar, daí se infere que a felicidade não é um destino é um trajecto. Há quem diga que não há melhor momento para se ser feliz do que o AGORA. Se adiamos o AGORA, quando é que será? A vida nem sempre está cheia de logros e reptos, portanto será melhor tentar ser-se feliz AGORA, pois não existe caminho para a Felicidade, ela é o AGORA. A ideia será trabalhar como não necessitássemos de dinheiro, amar como nunca tivéssemos sido feridos, e dançar como se ninguém estivesse a ver. Contudo pensamos que estas definições não passam de pensamentos como tantos outros, criados ou inventadas para tentar descrever, quer literária quer pomposamente esta palavra carregada de simbolismo. Apesar de todos estes contratempos, não desmoralizámos e prosseguimos na nossa rota, mais por teimosia do que por convicção, carregando na nossa mochila, ideias e sonhos por concretizar que giravam á volta do nosso eixo e centro de gravidade imaginário. Desde o ventre da nossa mãe, até á idade em que todas nós compartilhámos uma cama de lençóis amarrotados com alguém promíscuo, por uma hora de prazer e a sepultura que nos irá acolher em repouso eterno num destes dias, quando nos cansarmos de procurar a sombra fugidia de um fantasma que se desvanece nas penumbras da noite ou de uma madrugada húmida e enevoada. Conhecemos gente, fizemos amizades, criámos inimigos, circulámos no meio de fascistas, maçons, oportunistas, legalistas, constitucionalistas, narcisistas, pedófilos, esposas infiéis, maridos cornudos, coristas pintadas, artistas, escritores, marinheiros e armadores, policias, ladrões, bufos, jornalistas, bêbados, desbragados, dissolutos, gente piedosamente leal e gente impiedosamente cruel. Por vezes fizemos viagens longas embalados pela sonolência letárgica dos nossos sonhos da cor do arco-íris, outras vezes fomos obrigadas a ser consistentes e prisioneiros da nossa própria palavra e promessa. Participámos em orgias e bacanais, idolatrámos Deuses que não existiam, jurámos fidelidade a princípios que renegámos, atraiçoámos e apunhalámos inimigos, denunciámos desconhecidos, desfizemo-nos de escrúpulos, afim, de não carregar complexos de culpa, já que esta viagem se tornou demasiado longa e penosa. Plantámos árvores, arrancámos raízes, colhemos frutos, oferecemos presentes principescos ou apenas flores simples colhidas nos campos ou à beira das estradas, envenenámos mentes fracas, pervertemos inocentes, desfizemo-nos de mentecaptos, enterrámos alguns crentes, visitámos prisões e hospitais, prometemos amores eternos, demos amores temporais, exigimos obediência e dedicação eterna, cuidámos de cães sarnosos e de negros cheirando a catinga e intoxicados por liamba. Vimos morrer a esperança e o nascer da liberdade, testemunhámos o nascimento de novas nações e o rebentar de revoluções, vimos o rito de ódio em faces retalhadas e pedidos de misericórdia para que vidas fossem poupadas. Vivemos manhãs de glória, tardes de tristeza e noites de solidão, vimos o nascer e pôr do sol em vários continentes, vimos a água dos oceanos agitarem-se em fúria, e a terra vomitar das suas entranhas fogo, enxofre e lava incandescente, vimos homens matarem sem pestanejar só pelo prazer sádico de puxarem o gatilho, vimos novas e velhas serem violadas, aldeias destruídas e casas queimadas. Escrevemos folhas de papel em sofrimento e agonia, pois está a ser para nós tão difícil encontrar a Felicidade, como se tornou para Ulisses no clássico da Odisseia encontrar o velo de ouro e vencer o Minotauro. Passámos pelos dias causticantes de verão, e pelas noites longas e frias de invernos rigorosos onde a geada da madrugada queimava a pele como brasas de carvão incandescente. Vivemos intensa e febrilmente as nossas emoções, e claudicámos perante as desilusões, mas sobretudo perante as injustiças dos homens aplicada sobre o olhar impávido e desatento desse Deus que dizem ser justo omnipresente e omnipotente. Decifrámos enigmas, hieróglifos segredos guardados ciosamente por gerações, códigos, mensagens, saímos de labirintos, caímos em armadilhas, evitámos campos minados, vimos companheiros ficarem, desmembrados, desventrados e esfacelados, pendurados em árvores depois do rebentamento de minas anti-pessoais, lemos as estrelas no firmamento, viajámos pelo espaço cósmico, assistimos a reuniões secretas e clandestinas, fomos aprisionados tanto em cárceres como dentro das nossas próprias convicções, fomos usados, abusados e violentados por mulheres sádicas e homens maquiavélicos, embruxados por despeito e ciúme. A nossa saga parecia não ter fim, fomos abandonados à nossa sorte no meio dos matagais africanos como leprosos, confessámos segredos ditos em surdina aos quais prometemos confidencialidade, fomos confessados por padres pecadores e pedófilos, fomos portadores de segredos capazes de abanar nações ou fazer cair governos, fomos contratados para matar silenciosamente e pagos para foder, fomos proxenetas, contrabandeámos diamantes e traficámos em armas, drogas bens e informações, caçámos nas savanas africanas, e nos desertos áridos do Khalaari, pescámos em rios infestados de crocodilos, viajámos em caravanas pelas estepes da Mongólia, descemos os rápidos do Zambeze em jangada e subimos aos picos gelados do Klimanjaro em balão de ar quente, viajámos pelo mundo, até que um dia decidimos parar, afim de reflectir e repensar na nossa toda a nossa existência. Optámos por nos exilar voluntariamente em recolhimento espiritual e metafísico nas montanhas frias e inóspitas de Kathmandu no Nepal com um guru e aí, durante meses a fio meditámos profundamente numa introspecção analítica sobre as contradições do mundo e das suas fracturas sociais, mas acima de tudo, questionámos seriamente a existência da tão propalada Felicidade. Tentámos descobrir a arte da fuga existencial sobre a qual Paul Sartre filosofou, fragmentando, prostituindo e violentando sistematicamente o nosso EU, mas aos poucos e com imenso esforço, lá fomos reunindo os cacos despedaçados da nossa vida, da nossa personalidade, dos nossos sonhos, esperanças e expectativas, transpusemos barreiras, observámos horizontes recônditos dentro do nosso Eu, perdemo-nos no sinuoso labirinto da nossa mente torturada pela dúvida do que está certo ou errado, do que é fisicamente real e do que é virtual, na desmontamos o misticismo, debatemos o obscurantismo e caciquismo paternalista. Procurámos desvendar o segredo proibido da vida materialista, desafiámos as forças satânicas do mal, assistimos a missas negras e à preparação de mixórdias para fins ocultos, esconjurámos espíritos e exorcizámos os demónios, assistimos à profanação de sepulturas, confraternizámos com os arcanjos do bem e do mal, bebemos o sangue daqueles que imolámos ao poder e glória de toda a força da natureza, andámos de braço dado com o anjo das trevas e tal como Fausto no seu pacto com o Diabo vendemos-lhe a alma. Ajoelhámo-nos em igrejas, sinagogas e mesquitas e noutros templos politeístas, a fim de orar a todos esses Deuses, santos e ícones de pé de barro ou de madeira carcomida pelo caruncho. Tivemos encontros fortuitos com o sobrenatural, falámos com sábios, cientistas, pensadores, filósofos, teólogos, eclesiásticos, sociólogos, humanistas e nenhum deles conseguiu trazer-nos a luz necessária ou dar-nos as respostas que satisfizessem as nossas interrogações. Contudo não desesperámos e continuámos infatigavelmente na senda e na procura da Felicidade, mas parecia-nos que cada dia que passava, mais longe estava de a encontrar, pois nenhum progresso nesse sentido ainda tinha sido feito. Contudo a nossa força indómita parecia ser indestrutível vamos continuar possivelmente na eterna procura do Santo Graal, daquilo que não vimos, que os nossos sentidos não detectam, mas que o nosso coração nos diz existir e que alguém confirmou que quando se a detém é o melhor sentimento do mundo. Quem já a encontrou, disse-nos que é como estar imbuído de uma mágica inigualável como se fosse um elixir que nos projecta para a plenitude e para o êxtase. Portanto, de novo, pusemos pés a caminho, pois ela oculta-se em algum lugar, talvez, mesmo quem sabe, dentro de nós próprios, na expectativa de uma oportunidade para nascer e revelar-se, mas enquanto isso não acontece, nós temos que ter o alento e a vontade férrea de continuar nesta peregrinação interminável, mesmo sem saber para onde, mas, quem sabe, talvez aqui entre o nosso passo, esteja a totalidade do nosso tempo, e além a eternidade a sorrir como uma estrela. Vilamoura 1999

Sem comentários:

Enviar um comentário