sexta-feira, 13 de março de 2015

A SEPARAÇÃO

Muito poucos são hoje em dia os casais que se podem gabar por não ter passado pelas agruras de uma separação temporária ou um divórcio, os quais pode ser de carácter pacífico ou conflituoso. A vida é um tirocínio hierarquizado de desafios os quais nos conduzem a promoções que só pela maturidade e experiências vivenciais estaremos preparados para vencer e ultrapassar com sucesso. Quanto melhor preparados estivermos para solucionar os enigmas e puzzles que a vida matreira e ardilosamente nos coloca maior possibilidade teremos em manter os nossos relacionamentos estáveis e duradouros. Quando estes azedam e deterioram ao ponto de sermos forçados a cortar pontes, radicalizando e extremando posições, mais complicado se torna a convivência entre o casal. O diálogo entra numa fase de um mutismo feroz de surdez reciproca o qual literalmente impossibilita uma vivência saudável pois os parceiros fazem questão em se ignorarem mutuamente e o homem na grande maioria das vezes começa a fazer da casa pensão ou quarto de hotel recusando-se a admitir a existência da sua companheira, fazendo vida de solteiro. Eventualmente um ou ambos podem adoptar atitudes agressivas, retaliatórias ou violentas que podem cobrir um leque variado de ameaças e terminar em agressões verbais ou físicas. Em circunstâncias mais emotivas e drásticas as posições podem-se extremar e radicalizar levando á morte de um ou ambos os intervenientes. Quando qualquer tentativa de diálogo ou reconciliação acabam numa tempestade, nada mais resta do que considerar a inevitabilidade da separação. Na inexistência de filhos e se as pessoas em questão forem civilizadas, cultas, cívicas, instruídas, responsáveis, inteligentes e bem formadas a separação apenas se resume ao facto da partilha dos bens materiais, cada um segue a sua viagem sem mais atritos ou complicações. Quando o amor não resiste mais aos maus tratos, violências, abusos, e faltas de respeito e educação nem se deixa mais seduzir por ofertas de flores, caixas de bombons, perfumes, lingerie, sexo, jantares íntimos com velas, fins-de-semana em pousadas, ou promessas vãs de arrependimento e regeneração, é sinal que a hora da partida está próxima. Quando os corpos se rejeitam por falta de interesse pois já não se desejam ou atraem e o casal evita intimidades e o odor corporal do parceiro nos causa náusea e incómoda, é chegada a altura de nos prepararmos mentalmente para começarmos a encetar a nossa viagem a solo. Após termos tomado a decisão final da ruptura, há que começar a despregar os sentimentos e as recordações das paredes a empilhar os livros, CD’s, álbuns de fotografias e remorsos a fim de nos prepararmos para o luto e travessia solitária do deserto quer sejamos aquele que após o acordo ficou ou teve de sair da casa, isto quando a mesma não é vendida e cada um fica livre de voltar a reviver os bons ou maus tempos que ali passou. Usualmente o sofrimento apenas se cola á epiderme daquele que é deixado, rejeitado, ou ainda nutre sentimentos amorosos pelo companheiro, para o que deixa é um alívio. Há sempre um que carrega com os destroços os quais se vão-se empilhando à porta da rua, até chegar a carrinha das mudanças, perante o olhar incrédulo dos vizinhos que invejosamente pensavam que vivíamos num conto das mil e uma noites, pois fora das paredes do nosso dormitório, púnhamos as máscaras da felicidade a fim de enfrentar, enganar o mundo e o quotidiano. Houve tempos da casa de campo, férias nas Caraíbas, fotos em Veneza, festas, jantares sociais com amigos, aniversários em Paris, presentes em datas importantes e fins-de-semana alucinantes. Como nada é eterno, chega um dia em que o amor decide bater em retirada, talvez porque faltou amor no amor, ou porque o amor exauriu-se no amor. E quando constatamos que o amor não é mais do que uma ruína e mostra pressa em se ir embora, como que envergonhado, é preferível que ele o faça de dia pela porta principal com dignidade do que pela calada da noite como um ladrão pelas traseiras com receio de ser detectado. Será suficientemente forte o amor que restou dentro de cada um de nós para erguer outra casa e outro amor? Geograficamente para onde irá esse amor habitar? Na praia, no campo ou na cidade? Viajará para perto ou para longe? Voltará este amor a renascer, cedo, tarde ou nunca? Numa relação que se desintegra pela vontade unilateral de um dos parceiros, será este em princípio aquele que menos sofrerá, para o outro ficará uma vida destroçada, sem rumo, sem objectivos definidos, pois sente que aquele que decide abandonar o barco a meio da viagem lhe defraudou as expectativas pelo não cumprimento das promessas que em conjunto tinha feito para um projecto de vida comum. Quando a corrente se parte é sempre o elo mais fraco aquele que mais sofre, e se esse elo for a mulher tanto pior, pois esta sente na carne muito mais profundamente o tempo, energia perdida mas sobretudo a sua juventude que é irrecuperável. Para o homem que parte que lhe roubou pedaços do coração e lhe levou a juventude, apenas deixa dentro desta uma pequena mala a qual vai ser extremamente difícil de carregar no futuro pois o peso das recordações equivale a toneladas de chumbo. E termino mais este texto com um pensamento de Amir Klink que diz mais ou menos isto: “ Só há dois dias no ano em que nada pode ser feito, um foi o dia de ontem e o outro será o dia de amanhã. Portanto “Hoje” é o único dia que temos para amar, perdoar, sofrer, odiar, acreditar ou renegar, mas sobretudo viver ou ter a coragem de partir para outro projecto ou para uma nova aventura quando sentimos que o nosso tempo se esgotou e a viagem terminou. 10-4-2006

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