segunda-feira, 16 de março de 2015

REFLEXÕES NOCTURNAS

Há dias no cumprimento de um dever cívico, bíblico e pombalino que é o de “cuidar dos vivos e enterrar os mortos”, assisti e escutei com desusado interesse ao sermão do padre católico, durante a missa de corpo presente do pai de um amigo meu. O sermão versou sobre duas vertentes filosóficas que sendo controversas são bem actuais, e as quais na minha modesta opinião merecem por mim ser debatidas mesmo que se trate de um padre durante um Requiem em presença de um corpo inerte e frio, porquanto a chamada alma já o tinha deixado á algum tempo seguindo um destino que os mortais desconhecem. A sua alocução litúrgica, contundente mas profundamente analítica e realista apenas veio confirmar aquilo que eu há muito tempo advogo, que a existência é feita de várias espécies de seres humanos os quais se começam a definir as suas tendências comportamentais muito cedo na vida. Há já quem saia da vagina das suas mães com uma vela acesa que lhes iluminará o caminho e a mente e com um troféu nas mãos e uma coroa de louros ao pescoço. Estes sem sombra de dúvida estão predestinados para vencer, liderar, enriquecer e subirem ao pico das mais altas montanhas e aos primeiro lugar dos pódios da vida. Há outros que saindo pelo mesmo lugar saem com a vela sem pavio e viverão eternamente na escuridão, nunca serão nada nem ninguém e na mediocridade do trajecto das suas falhadas vidas, cairão pelas bermas do caminho. São pessoas sem ambição ou motivação, lentos e obtusos a quem apenas são oferecidas sobras, refugo ou terceiras escolhas. Na primeira categoria temos a grande minoria que são a dos cultos, letrados, carismáticos, com mentalidades universalistas e liberais, têm uma mente aberta e receptiva a ler e interpretar os fenómenos das sociedades modernas, das mentes rústicas e urbanas no aspecto sociológico, geográfico e cultural. São pessoas que têm uma opinião acerca de tudo aquilo que os rodeia pois vivem informados daquilo que se passa no mundo. Procuram ter e manter vidas interessantes diversificadas, coloridas e de qualidade, correm riscos, assumem responsabilidades e as suas consequências. Fazem as leis que os segundos se limitam a cumprir sem retorquir ou contestar, nas suas pequenas e desinteressantes rotineiras e acinzentadas vidas. Nesta linhagem encontramos uma estirpe de indivíduos, determinados, consistentes, polémicos, argumentativos, disciplinados, metódicos, organizados, com objectivos claros e precisos, que sabem o que querem e para onde vão, e quando pretendem chegar aos seus objectivos. Um bom planeamento suportado por soluções de contingência é meio caminho andado para o sucesso. Estes homens conduzem, gerem e lideram, não só o seu próprio destino, como as vidas e destinos de muitos dos outros que se enquadram na categoria de paus mandados. São pessoas que estão ao volante das suas próprias vidas, sabem qual o destino para onde querem ir e nem precisam de pedir indicações para lá chegarem e muito menos gostam de ser conduzidos por terceiros. São pessoas que não permitem que as suas vidas possam de alguma maneira ser alteradas, manipuladas, influenciadas ou corrompidas pois a sua integridade não tem preço. São geralmente laicos, agnósticos e profilácticos, não praticam a miscigenação, são educados, instruídos, cultos, inteligentes, assertivos, corporativistas, pertencendo á classe média alta do estrato social onde se encontram inseridos. Esta casta social de indivíduos gozam a vida intensamente e em toda a sua plenitude, são geralmente muito bem pagos nas profissões que desempenham, são conhecidos pelos nomes e respeitados pelos seus pares. Satisfazem os seus prazeres ou vícios por muito dispendiosos que sejam não se preocupando muito com o dia de amanhã. São caprichosos, ambiciosos e sonhadores, não adiam, cancelam ou protelam os seus projectos de vida por causa de falta de tempo, dinheiro ou imaginação, pois não dependem de ninguém para os concretizar quando sentem ser o momento oportuno. Usualmente são pessoas que aceitam a morte com disciplina, sem pânicos ou medos, não vão pedir a extrema-unção ou sacramentos á última hora, morrem de pé sem vergar os joelhos da mesma que viveram as suas vidas, sem cobardemente renunciarem às suas crenças. Na segunda categoria e parafraseando o padre, dizia ele: - Existe uma grande maioria de pessoas que nunca vivem as suas vidas, apenas se limitam a passar ao lado dela, são os avaros os gananciosos, os incultos que vivem a vida aos solavancos, como um carro ao qual vai faltar a gasolina, sem objectivos definidos, princípios ou convicções, queixando-se de tudo e de todos e julgando-se perseguidos pelo fatalismo ou azar. As pessoas que não têm fé, esperança nem acreditam nas suas capacidades, estão destinadas ao insucesso e fracasso, só lhes resta vegetar, bajular ou rastejar, tentado a todos agrada, sem nunca terem a coragem de dizer não ou defenderem os seus pontos de vista. São volúveis nas suas opiniões negando rapidamente ou oportunisticamente que o preto é preto bastando que alguém hierarquicamente superior e mais opinativo diga o contrário. São pessoas influenciáveis sem opinião própria, e alinham ao lado da conveniência, do mais forte ou daquele que ganhar a batalha se puderem beneficiar dos despojos da contenda. Vergam a espinha até ao chão, sabujam todos aqueles que lhes possam providenciar benesses e vendem a alma ao diabo por qualquer preço. São pessoas em princípio demasiado agarradas ao mundo matérial que dificilmente encaram a morte como uma inevitabilidade da vida e entram em pânico só ao pensar que esta lhes pode rondar a porta. Vão á Fátima a pé ou de rastos como resultado de promessas em troca dos favores da virgem para apaziguarem doenças, pedirem milagres, favorecimentos ou benesses. Recorrem igualmente às bruxas e cartomantes entregando-lhes dinheiro ou fios de ouro, para que estas lhes devolvam os namorados, maridos, quebrem os enguiços, maus-olhados ou espíritos malignos. São seres humanos mesquinhos por natureza e de todo incapazes de um gesto altruísta ou de solidariedade para com terceiros, pois são egoístas por índole e se dão com uma mão estão sempre á espera de poder tirar com a outra de forma a ficarem com saldo positivo. São usualmente pessoas que vivem para elas próprias fechadas num mundo autista, onde apenas ouvem o eco e o carpir das suas próprias palavras, lamurias ou pensamentos. Desconfiam de tudo e de todos e até da própria sombra. Se estiverem a jantar e de repente tiverem visitas inesperadas, escondem a comida nas gavetas para que não a tenham de partilhar, se vão á missa fingem meter a mão no saco das esmolas para dar qualquer contribuição á igreja mas em vez de deixarem dinheiro, tiram disfarçadamente o que podem, quando pedem emprestado nunca devolvem, e quando têm de pagar uma despesa com amigos num bar ou restaurante, esperam que alguém tome a iniciativa de o fazer. A morte pára permanentemente no ar 24 horas por dia e a todos chegará a seu tempo, não vale a pena escondermo-nos, fugirmos, mudar de país ou continente. A vida, é apenas e só a última etapa de uma passagem mais ou menos longa por uma selva, onde apenas o mais forte, mais bem treinado, armado e municiado, o mais rico e o mais poderoso, terão uma percentagem mais elevada de condições de sobrevivência durante o percurso que fazem pela vida. Nestas circunstâncias existe inevitavelmente uma maior probalidade de se prolongar a longevidade, tentando negociar com a morte e enganando-a algumas vezes, pois o dinheiro, as cunhas, os favores e o poder, podem eventualmente proporcionar melhores cuidados médicos no estrangeiro e em certas situações adiar um desfecho terminal. Felizmente que a morte não poupa reis, imperadores, presidentes, governantes ou governados, ricos ou pobres, não se preocupa com as opções religiosas ou pagãs de cada um, nem com a sua etnia, todos deixam este mundo globalizado quando o grande ceifeiro lhes bate á porta. A vida que começa a ser gerada no útero das mulheres depois dos óvulos fecundados que dão origem á nascença de um embrião pode ter três destinos: o aborto, os nados mortos e os partos normais que nos permitem sobreviver. Acho que as pessoas seriam mais felizes se não se submetessem, empenhassem, hipotecassem ou idolatrassem ídolos de pé de barro, divindades imaginárias, ou pessoas que se dizem possuídos de dons medicinais ou adivinhação. Apenas devemos acreditar naquilo que podemos cheirar, sentir, tocar, ver ou que a ciência possa provar que existe. Existiram e existem pessoas cuja sua contribuição para a humanidade em várias áreas justificava a sua existência eterna, pois com as suas descobertas salvaram milhões de vidas em todo o mundo ou contribuíram para o seu bem-estar. Não me quero alongar em divagações filosóficas quer sobre a vida ou morte, mas pelo menos tentar passar a mensagem de que em vida devemos procurar ser justos, solidários, ter equidade e não dois pesos e duas medidas, quando se trata de aferir situações quer em relação a estranhos ou á própria família. A decisão ou veredicto deverá ser sempre o mesmo perante o delito em causa, independentemente de quem tem que ser punido ou admoestado. Quando somos confrontados com o términus de uma relação, o travo amargo dessa decisão seja ela unilateral ou bilateral, deixa-nos sempre envolvidos numa torrente mista de sentimentos os quais nos penalizam fortemente podendo atormentar-nos durante longos períodos de tempo. As separações não são normalmente fruto de decisões impensadas nem o resultado de desentendimentos ocasionais, mas sim em consequência de um amadurecimento e ponderação feita a longo prazo que leva um ou ambos os parceiros ao diagnóstico da inevitabilidade de cada um a partir de certa altura, encetarem projectos de vida diferentes, partindo em sentidos diametralmente opostos. Quando a frieza, indiferença, afastamento, falta de comunicação e politica de terra queimada se instalam, é preciso de ter a coragem de admitir esse facto e tomar as medidas apropriadas antes que o relacionamento se torne num fingimento insuportável, e que não se degrade mais ao ponto de apodrecer e cair de maduro. Durante o decurso de uma relação sentimental, todos corremos o risco de cair na rotina do quotidiano, os afectos e as manifestações amorosas quase passam a tornar-se uma obrigatoriedade do quotidiano, perdendo o brilho e o seu esplendor inicial da atracção física e do desejo carnal. Só na literatura dos clássicos como Romeu e Julieta, Tristão e Isolda se assiste á celebração do amor eterno levado ás últimas consequências. Na nossa mediocridade de seres humanos, falíveis, vulneráveis, frágeis e mortais é fácil deixarmos que o vírus da insatisfação, insegurança emocional, falta de auto estima, solicitações extra conjugais, stress, cansaço físico e mental se instale cresça e se multiplique tornando-se num monstro gigantesco pronto para nos devorar. Quando o dialogo entre o casal se torna num monologo e cada um começa a crescer para seu lado falando linguagens diferentes, procurando apenas satisfazer as suas ambições pessoais criando dois mundos dentro daquele que anteriormente partilhavam é sinal que o principio do fim se aproxima a passos largos. As realidades poderosas do dia a dia, o desgaste e a erosão continua a que a vida nos submete, coloca demasiada pressão nas relações entre as pessoas e nos valores que ambos defendem. Como resultado de por vezes sentirmos que já não estamos no mesmo barco e optamos por defender bandeiras diferentes acabamos inevitavelmente em campos de batalha opostos, que pode gerar uma guerra de guerrilha desgastante e sem fim á vista. Não sendo a vida um mar de rosas ou um conto das mil e uma noites, mas sim, uma realidade nua, dura e crua, somente os psiquicamente mais fortes conseguem ir sobrevivendo aos testes que os relacionamentos nos vão colocando pontualmente. Para isso é necessário que as fundações e estruturas que escoram os alicerces não soçobrem facilmente aos efeitos dos abalos sísmicos os quais ciclicamente abalam os relacionamentos amorosos. Metaforicamente falando é como caminhar sobre um terreno minado sem saber a localização das minas e com o receio que alguma delas rebente sobre os nossos pés, o que nos leva a preferir o imobilismo defensivo onde ninguém se sente encorajado a dar o primeiro passo, o que impede que o casal continue a progredir na vida ficando parados no tempo e no espaço. Muitas vezes a verdadeira índole das pessoas só se conhece quando se atravessam períodos de vida complicados. Nessa altura, o verniz estala e a verdadeira personalidade das pessoas emerge como um vulcão acabado de entrar em erupção revelando-se uma pessoa nove e estranha. De tal forma ficamos espantados e surpreendidos que nos interrogamos de como foi possível que tivéssemos vivido com essa pessoa durante anos sem nunca a termos conhecido as suas mais recônditas facetas ocultas. Os amores ou paixões iniciais que atraem as pessoas e as magnetizam, acabam por perder essa capacidade de as manter atraídas indefinidamente, como consequência o estágio amoroso e de encantamento vai-se diluindo, arrefecendo e perdendo e progressivamente nas brumas geladas dos nossos corações. Poderão existir várias razões que podem levar os casais a perder a magia do enamoramento e uma delas pode ser causada pela discórdia, ciúmes exagerados, violências verbais ou físicas, vícios, hábitos ou comportamentos anormais que levam um dos parceiros a mergulhar num estado psicológico de mágoa, desespero e sofrimento permanente. É obvio que isto contribui para tornar que um dos corações lentamente fique insensível, anestesiado e entorpecido acabando por perder a capacidade de sentir ou reagir. Quando o corpo começa a perder o arrebatamento dando sinal de que a dispensabilidade do parceiro em relação á necessidade dos afectos, carícias e sexo abranda ou se perde, é indicação mais do que evidente de que algo está definitivamente errado e precisa de ser analisado, conversado e discutido. O começo de qualquer relacionamento deveria ficar gravado, para que as pessoas em momentos de crise pudessem rebobinar o filme e voltarem a ver como eram as suas manifestações amorosas, comparando-as com aquelas que estão a viver na altura e perante essas imagens perguntassem a si próprias qual a razão da mudança. No início, o amor ou a paixão são normalmente vividos com grande intensidade, deslumbramento ficando as pessoas imbuídas num estado de graça onde se sentem invencíveis, omnipotentes e omnipresentes levando-as a pensar na sua imortalidade, como forma de sublimarem intemporalmente a consagração desse amor nos altares do êxtase e clímax orgasmico do prazer, volúpia e luxúria sexual. Como é óbvio não existem regras sem excepção e existem ligações amorosas que perduram no tempo até que a morte os separe. São autênticas maratonas de respeito, amor, carinho e amizade recíproca ás quais tiro o meu chapéu com admiração, pela humildade, perseverança, capacidade de dialogo, de se perdoarem mutuamente sem recriminações ou rancores ao longo da vida, aceitando as diferenças que eventualmente os possam separar sem nunca se preocuparem em manter uma contabilidade de deve ou haver, pois nestes casos o saldo é sempre positivo e aumenta de ano para ano. Existem neste mundo coleccionadores para todos os gostos, desde automóveis, moedas, selos, borboletas, sacos de açúcar emblemas a outros que coleccionam coisas mais bizarras bem reveladores das suas mentes psiquicamente distorcidas. Eu mais modestamente dediquei-me a coleccionar relacionamentos uns de amizade outros amorosos, os quais sempre vivi com intensidade, devoção e entregas totais. Sempre vivi visceralmente todas as minhas paixões, pois não consigo viver de outra forma que não seja neste estado cósmico e orgasmico de levitação emocional. Tal como o mote Olímpico que diz: “A maior gloria é a de participar e competir e não propriamente a de vencer”. Também nas relações amorosas se deveria passar literalmente o mesmo, quando estas terminam, não é imperativo que exista um vencido nem o sentimento doloroso de azedume em relação ao vencedor. Em muitas das ocasiões ambos os competidores saem perdedores o que é bem pior. As corridas jurídicas podem dar a vitória quer a um quer a outro, só que a medalha tem sempre um sabor a derrota, uma vez que a corrida que ambos iniciaram em conjunto acabou por abortar a meio caminho. Muitas vezes durante o período da vida em comum por vezes chegamos á conclusão de que vivemos a dormir com o inimigo pela forma como somos tratados ou pelo medo que este nos infunde. Penso que quando as pessoas começam a ter a consciência que a sua viagem em conjunto terminou e o comboio chegou ao fim da linha, já não vale a pena comprar viagem de regresso, pois a relação deixou de ter pernas para andar. Uma vez que já se perdeu a flexibilidade da margem de manobra e a capacidade de avançar ou recuar pelas amputações da obtenção de consensos o melhor caminho é o de um escritório de advogado O júbilo e a exaltação que em tempos jorravam desses corações cessaram por falta de nutrientes ou de lenha que alimentasse o fogo na fornalha do amor mas que acaba por agonizar ficando reduzido a cinzas, prova insofismável de que tudo na vida tem um fim. Quando o espaço em casa se torna pequeno e as pessoas se escondem uma da outra para não andarem aos encontrões, afivelam as máscaras da hipocrisia, porque não tem a coragem de acabar com o embuste, passam a utilizar o lar como quartos de hotel, pois quanto menos estiverem dentro dele tanto melhor. Os corpos emitem sinais óbvios que são fáceis de interpretar, os olhos ficam baços e perdem o brilho habitual e o fulgor com que anteriormente se cobiçavam. A paixão incandescente e escaldante que magnetizava os corpos perdem o desejo carnal de se devorarem e penetrarem, tal como um encantamento que foi quebrado por qualquer bruxa malvada, que usando uma poção mágica fez que com que dois corpos que antigamente se atraíam se passassem a repelir. As epidermes quentes que anteriormente se arrepiavam com um simples roçagar dos corpos se eriçavam em lascívia, passam a ficar frígidas e indiferentes, os clímaxes e orgasmos perdem-se pela falta da libido ou das erecções. Os corpos passam a evitar o contacto físico e quando o fazem tudo soa a oco e falso, pois o aviltamento dos nossos corpos contra a vontade do cérebro leva á rejeição dos mesmos. Tudo isto são pregos no caixão e um epitáfio na pedra tumular de qualquer união que tem os dias contados. E onde apenas sobressaem dois nomes e duas datas a do casamento e a do divórcio. 31-12-1996

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